3.10 Comícios
Os grandes comícios estão em desuso.
Logo a seguir à revolução do 25 de Abril de 1974 era frequente a realização de comícios.
Na grande maioria dos casos, eram a expressão mais visível da força de uma determinada organização política. Se havia contestação, se havia um debate sobre determinada matéria, realizava-se um comício.
Essencialmente em momentos políticos muito agitados os comícios serviam de pretexto para a cobertura dos media e eram também um sinal de afirmação da força política.
Muitas destas iniciativas visavam alargar a base de apoio dos partidos e, outras vezes, medir forças com outras organizações políticas para, desta forma, condicionar o evoluir do “PREC” – período revolucionário em curso.
Um dos comícios que mais conseguiu este objectivo foi o da Fonte Luminosa, em pleno “verão quente” de 1975.
No dia seguinte ao comício, a 24 de Novembro de 1975, o PS emitiu um comunicado onde era afirmado “Assumiu particular significado o comício-manifestação na Fonte Luminosa em Lisboa. Centenas de milhares de pessoas encheram por completo a Alameda Afonso Henriques, mostrando, assim, que Lisboa é Socialista e que o Povo trabalhador de Lisboa, na sua grande maioria, está com o PS e condena a actuação golpista e antidemocrática dos sectores político-militares que tentam derrubar o VI Governo”.
Durante o período revolucionário o poder muitas vezes andava na rua e os partidos não se cansavam de procurar pretextos para organizar manifestações e comícios.
Normalizada a vida política portuguesa e com a consequente mediatização, a realização de comícios restringiu-se às campanhas eleitorais e a alguns momentos simbólicos.
A forma como os comícios são organizados também foi alterada profundamente.
O improviso deu lugar a uma profissionalização crescente e a custos bem significativos: «A volta do líder é uma megaprodução, que inclui três palcos, uma caravana e muito pessoal de apoio (30 pessoas)». – Público; 13/09/95
Hoje em dia os comícios são concebidos como um espectáculo mediático. Por isso mesmo, a cenografia é um dos elementos dominantes para que o “show” decorra da forma mais adequada para ser transmitido nas televisões.
Antes da campanha são visitados os locais onde vão ter lugar os comícios. Por vezes é um trabalho feito com grande antecedência devido ao número elevado de comícios (p. ex. nas legislativas de 1995, só no mês de Setembro, Fernando Nogueira participou em 25 comícios e António Guterres esteve em 24), e à necessidade de se reservarem os espaços.
A partir deste levantamento é concebida a cenografia: a concepção e colocação do palco, a iluminação, a colocação dos materiais de campanha, a entrada e a saída do líder, o púlpito, a colocação das câmaras de filmar –«nomeadamente a do sinal de vídeo interno – a disposição da audiência e a melhor forma de evitar espaços vazios, a música…. «Melhorar a iluminação do palco, encenar o espaço para as câmaras de televisão, em síntese pôr António Guterres a falar mais para o país do que para os presentes no comício. Este é um dos desafios que o PS se propõe vencer nas próximas semanas (…) Portanto, daqui para a frente, o PS tenciona passar a pente fino os locais dos comícios, procurar os melhores enquadramentos, aperfeiçoar a apresentação em palco, ou seja, buscar uma atitude mais profissional». Público 25/08/95. O mesmo foi feito nas legislativas de 1999, com cerca de um mês de antecedência.
Qualquer um destes elementos é determinante para o resultado final.
O mesmo se passa com o acompanhamento permanente dos media na altura em que está a ter lugar o comício. Por exemplo, se há directos de televisões, é necessário passar essa informação ao orador.
Comício de encerramento do PSD nas legislativas de 1999: a RTP estava a fazer um directo e o assessor de imprensa do PSD, José Mendonça, foi a um canto do palco, com uma placa, dar o sinal a Durão Barroso. Hoje os métodos já são mais sofisticados
Antes de subir ao palco, o orador já foi informado do local onde estão colocadas as câmaras de filmar.
Quando do directo de uma televisão, o orador aproveita a ocasião para transmitir a mensagem essencial. Muitas vezes até repete, volta atrás…
O acompanhamento do que está a ser transmitido permite também recorrer a uma outra encenação, vulgar nos concursos e espectáculos televisivos: quando começa o directo de uma das televisões, o animador do comício toma a palavra, interrompe o orador e começa a “puxar” pela audiência. O grito colectivo de slogans, o agitar das bandeiras… tudo isto contribui para a transmissão de uma mensagem de vitalidade e união.
«O aplauso alegre e estridente serve de instrumento heurístico de consenso social: uma ideia que transmite que todos aceitam esta mensagem, também você o deve fazer. O reconhecimento do poder do instrumento heurístico do aplauso leva os políticos a ambientes favoráveis, tal como os realizadores de televisão inserem risos e aplausos como som de fundo, ou leva os anunciantes a utilizar testemunhos e a apresentar os seus produtos como tendo grande procura» (1)
Para se conseguir esta imagem de vitalidade é igualmente necessário que a audiência cumpra o seu papel nesta cenografia. Habitualmente esta função é exercida por grupos ligados às juventudes partidárias.
Por outro lado, procuram evitar espaços vazios. É por isso que, quando os partidos têm receio de não reunir uma grande multidão, recorrem a espaços fechados e de menor dimensão. Por vezes desculpam-se com a chuva ou o mau tempo mas, na grande maioria dos casos, é porque têm terror das clareiras. Este receio é também tido em conta no planeamento dos comícios. Essencialmente em campanha eleitoral, as principais apostas têm lugar na sexta-feira à noite ou no sábado. E se por acaso há um jogo de futebol importante que vai ser transmitido nas televisões ou qualquer outro acontecimento relevante, muda-se a hora ou os músicos em palco tocam mais alguns minutos.
Para os últimos dias deixam os locais onde há a certeza que se consegue reunir um número maior de apoiantes, para dar a ideia de um apoio crescente.
E se “Maomé não vai à montanha, vai a montanha ter com Maomé”: «Fernando Nogueira praticamente não pára, até porque vai ser cabeça-de-cartaz das festas de Verão que o PSD decidiu promover em algumas das praias do país. A 25 de Agosto na Póvoa de Varzim, a 27 no Furadouro, a 29 na zona ribeirinha de Lisboa (ou no Tamariz) e a 2 de Setembro na Figueira da Foz – eis os locais onde o PSD espera encontrar o eleitorado fora dos grandes centros devido às férias estivais” – Público 05/08/95.
Eduardo Cintra Torres sobre os comícios da “rentrée” do PS, PSD e PP em 2003.
«Os Telecomícios da Rentrée
As semelhanças entre os três comícios foram as seguintes: - Principal semelhança: presença da televisão. - Os três partidos escolheram espaços urbanos privilegiados (praças centrais, com cafés) de localidades de “província”.(…) A principal preparação cénica é a do palco, com a frase de “rentrée” e o púlpito donde ora o líder. - Tal como nos “talk-shows” televisivos, dá-se atenção, embora desigual, à animação das massas e à música como formas de criar uníssono nas multidões. (…) Todos os partidos deram a conhecer antecipadamente aos jornalistas o que consideravam ser os principais tópicos dos discursos, pelo que a entrada em palco dos líderes já se fez enquadrada por esse auto-agendamento nas intervenções prévias das jornalistas (…). A roupa dos líderes estava de acordo com a circunstância e a posição institucional: Ferro, da oposição, em camisa; Portas, júnior do Governo, de calça clara, blazer azul e camisa aberta; Durão, chefe de Governo, idem, mas de gravata.
Em resumo, os três comícios foram feitos para a TV. (…) Todos os líderes estavam a falar para o país (Durão disse-o) ou para o partido em primeiro lugar (Ferro) via TV e menos para os presentes. A construção do espaço, a escolha da hora e a animação e guarda-roupa da assistência organizada estavam feitas para a TV, sem competência técnica no caso do PS e com apuro especial no caso do PSD.(…)» Público
Para evitar o cansaço da audiência e a saída extemporânea de muitas pessoas, os organizadores dos comícios têm sempre mão forte para resistir às pressões e reduzir o mais possível o número de oradores.
Da história recente, um dos episódios que mais marcou a luta partidária foi no Verão de 1995, quando o PS decidiu realizar em simultâneo com o PSD o comício da rentrée em Faro. Foi um medir de forças que até levou a comunicação social a fazer um levantamento dos dois locais, através de um helicóptero. O balanço foi positivo para o PS o que acabou por impulsionar fortemente o arranque da sua caminhada para a vitória.
Nos últimos anos a tendência é evitar o recurso sistemático a comícios.
Por exemplo, nas eleições presidenciais de 2001, Jorge Sampaio optou por pequenas salas onde, de uma forma mais pessoal, intimista, se dirigia à plateia. Um homem num palco, com um microfone e (aparentemente) sem grandes encenações. Os custos são menores, não há o risco de a sala não encher e é reforçada a relação pessoal entre o candidato e a plateia.
No caso do Reino Unido é banal este tipo de contacto. O candidato, num local já determinado e preparado pela estrutura de campanha, apresenta-se directamente às pessoas que se concentram em pequenos grupos. A panóplia de microfones, cartazes e música é substituída por uma relação mais pessoal e directa.
Segundo um estudo de Max Atkinson - Our Master’s Voice, realizado em 1994, no contacto do candidato com o eleitorado, são outros os elementos relevantes:
1. Mais do que o conteúdo das intervenções, são as técnicas verbais e não verbais que permitem uma resposta positiva.
2. A atenção do público é menor quando um orador fala muitas vezes ou durante muito tempo.
3. Para garantir a atenção do público é preciso assegurar boas condições de audição e visibilidade.
4. O orador deve ter uma vigilância permanente da assistência.
5. Ajudas especiais como músicas ou slogans podem estimular a audiência a reagir em uníssono.
6. Um aplauso ocorre regularmente no final de uma intervenção equivalente a um parágrafo de um texto escrito.
7. O orador deve dar um conjunto de sinais, deixas, que permitam à audiência perceber quando deve aplaudir.
8. Um tipo de mensagem que provoca o aplauso é a apresentação favorável de uma personalidade - identifica-se a pessoa, diz-se algumas palavras sobre ela e depois segue-se o nome. Uma pausa entre o nome e o apelido dá a oportunidade à audiência para se manifestar.
9. Um outro tipo de mensagem que provoca uma reacção positiva é fazer um juízo favorável, não a nível individual mas colectivo - “nós”.
10. As críticas e os ataques ao adversário também favorecem um bom feed back.
11. Na apresentação de listas, exemplos, narração de casos… o número adequado é três. Dois exemplos é pouco; quatro é muito. A lista com três unidades dá a ideia de unidade e de complementaridade.
12. Fazer um contraste entre dois itens provoca igualmente uma reacção positiva.
13. Evitar seguir um texto.
14. Sincronizar o movimento dos braços, das mãos, da cabeça com o conteúdo verbal.
15. Olhar para a audiência e não utilizar óculos que dificultem a visibilidade dos olhos do orador.
(1) La era de la propaganda – uso y abuso de la persuasión; Anthony Pratkanis, Elliot Aronson; Oaidós Comunicación; ; Barcelona; 1994