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Comunicação Política

Comunicação Política

18
Fev11

O jogo das aparências

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A importância da mensagem televisiva passa pelos ícones, os símbolos, a aparência, os gestos… A impressão que causam e o efeito que provocam na construção da imagem de uma pessoa.

«São três, substancialmente, os materiais com que se lida na engenharia de uma imagem pública: mensagens, factos e configurações significativas. Forma-se imagem de alguém a partir do que ele diz ou do que é dito sobre ele, do que ele faz, da sua capacidade reconhecida de fazer e do que dele é feito e, enfim, a partir do modo como ele se apresenta: roupas, logos, símbolos, emblemas, posturas corporais, aparência exterior» - Wilson Gomes

Segundo um estudo narrado por Carlos Augusto Manhanelli, um pesquisador francês analisou durante dez anos a influência da campanha eleitoral através da TV. Concluiu que o que mais influencia o telespectador é o tom de voz do dirigente político, depois a sua expressão facial, e em terceiro lugar, o conteúdo do discurso.


Ainda sobre o tom de voz, "um estudo publicado na revista Proceeding of Royal Society B, alguns investigadores revelam que, inconscientemente, os eleitores preferem as vozes menos estridentes. Uma voz profunda gera sentimentos de segurança, confiança e credibilidade. Ganha à voz aguda e ajuda a ganhar eleições". Ainda segundo relato do jornal Dinheiro Vivo uma das autoras do estudo adianta que "parece que as nossas vozes geram mais informação que as palavras e sabê-lo pode ajudar-nos a entender fator que influenciam as nossas relações sociais. Explica também porque há tão poucas mulheres em cargos políticos".


A mensagem televisiva passa assim, em grande medida, por alguns destes elementos visuais.

A aparência do líder é um dos elementos importantes. Tal como afirma Daniel Oliveira, que foi responsável pela comunicação do Bloco de Esquerda, se um político aparece despenteado na televisão e com uma nódoa na camisa, ou a gravata não joga com o resto do fato, «no dia seguinte, as pessoas têm essa mensagem na memória e pouco se lembrarão da mensagem política». - Capital; 10/09/2004

Nixon debate Outro exemplo: Nixon perdeu o debate com Kennedy (em Setembro de 1960; foi visto por 70 milhões de telespectadores) porque, entre outros motivos, não se quis maquilhar, passou o debate a transpirar e o espaço cénico onde estava envolvido não era o mais adequado (elementos estes que não foram captados por quem seguiu o debate através da rádio e que, maioritariamente, deu a vitória a Nixon).


À semelhança de um anúncio comercial, o maior impacte é causado pela aparência do vendedor. Quem faz sempre um ar sério e fala de forma monótona não tem grandes possibilidades de granjear popularidade. A sua imagem é fastidiosa.

Ao contrário, um líder com vivacidade, que aparente um interesse genuíno no bem-estar das pessoas, e com boa dose de humor nas situações difíceis, tem meio caminho andado para se tornar popular.
Se esse dirigente recorre a uma simbologia apropriada ao eleitorado que quer atingir é mais fácil alcançar os seus objectivos. Por exemplo, se o candidato quer mostrar que tem um “status” importante tem em conta a forma como fala - Tony Blair e Margaret Thatcher tiveram de aprender o inglês da elite britânica -, como exerce a sua autoridade, a postura perante outras personalidades… Cavaco Silva tinha um problema de saliva que era visível nos cantos da boca; teve aulas de dicção e expressão oral com Glória de Matos.

Quando tentava “consertar” a sua imagem, o então Presidente Jimmy Carter recebeu um memorando do seu principal colaborador em comunicação que dizia o seguinte: “Ser ou não presidente por mais quatro anos não depende muito do que faz… é como o faz. Tem de começar a olhar, falar e agir como um líder, para ter sucesso - mesmo que seja artificial”. (2 ).
Saliente-se no entanto que este processo não pode ser completamente “artifical” porque, mais tarde ou mais cedo, são perceptíveis as dissonâncias. “Pode ir conseguindo convencer as pessoas um dia, outro dia, mas chega a altura em que o olhar trai, alguma coisa não convence, soa a falso.” – Edson Athayde ao Público de 5 de Julho de 1999. Roger Ailles, que esteve na origem da vitória de Ronald Reagan e que desencadeou profundas alterações na campanha que estava a ser realizada pelo candidato republicano, apostou neste lema: você é a mensagem. Para Roger Ailles, o que estavam a fazer a Reagan era criar uma “máscara” que não dava certo com a personalidade do candidato e que, inclusive, anulava algumas das suas características de excelente comunicador. Na opinião de Ailles, Reagan era obrigado a assumir um discurso que não se adequava à sua forma de comunicar. Tudo soava a falso e o próprio candidato se sentia mal no papel que desempenhava. Ao contrário, Ailles apostou numa postura mais informal, em frases irónicas e num discurso mais “leve” que potenciavam as capacidades de comunicação de Ronald Reagan. Ele era assim. O que fez foi trabalhar estas potencialidades tirando partido da sua forma de comunicar, e encontrar processos que anulassem os elementos mais vulneráveis.

O «como se faz» é assim um elemento cada vez mais relevante nas actividades dos dirigentes políticos, essencialmente para televisão.
Marcelo quando läer do PSDUm recurso frequente para reforçar um estatuto de importância é aparecer em reportagens de televisão com o líder rodeado de microfones e câmaras de filmar de vários órgãos de comunicação social.
Outro exemplo a que se recorre com frequência é a realização de encontros com figuras ilustres, designadamente internacionais.

«A estratégia publicitária de recorrer a personalidades famosas para “contaminar” com sua sedução os produtos que anunciam foi emblematizado no slogan criado no final da década de 20 pela agência de publicidade J. Walter Thompson : “9 em 10 estrelas de cinema preferem Lux”. Múltiplas variantes dessa “fórmula” têm sido desde então utilizadas, não só na publicidade comercial mas também na política.» (3)

Dur\ao e AznarNa Convenção do PSD em Fevereiro de 2002 o convidado de maior relevo foi o presidente do governo de Espanha. «O “espectáculo” não ficará completo, porém, sem que fale um «special guest star», vindo propositadamente de Madrid» - Expresso
As reportagens televisivas deram largo destaque à presença de Aznar, e um dos dados que sublinharam foi a forma informal como os dois dirigentes se trataram, dando a entender que havia uma grande proximidade no relacionamento pessoal.
Meses antes, Durão Barroso tinha ido ao Brasil e outra das imagens fortes que conseguiu, na imprensa e na televisão, resultaram de um encontro com o então presidente Fernando Henrique Cardoso.

Quando do surgimento de um novo candidato a primeiro-ministro e, essencialmente de um candidato novo - é frequente a peregrinação a Berlim, Paris, Londres, Parlamento Europeu.... Só para a fotografia. Até Ferreira Leite cumpriu este ritual quando esteve reunida com a chanceler alemã e líder da CDU, Angela Merkel.


Uma candidatura virada para o futuro recorre com frequência à imagem de uma criança. Ela é o símbolo do futuro.

Se for uma campanha apostada em questões nacionalistas ou em reforçar a ideia da coesão nacional, recorre-se a símbolos que transmitam essa ideia - bandeira, cores da bandeira, inserção do nome do país no slogan de campanha… Na campanha para o referendo da regionalização uma das ideias fortes era o medo de as regiões dividirem o país, quebrando a unidade nacional. Quer os defensores do SIM, quer os defensores do NÃO terminavam as suas acções com o hino nacional, para reforçarem ou combaterem a ideia da quebra da unidade nacional.

«Segundo o ex-dirigente da JS, António José Seguro, principal responsável pela organização da volta a Portugal de Guterres, o programa (…) prevê propositadamente a ausência de manifestações partidárias durante ou no fim das etapas percorridas pelo líder do PS. Prevê, inclusivamente, a exibição de bandeiras nacionais pelos ocupantes dos carros da campanha em detrimento das bandeiras com o símbolo do partido.». José Manuel Saraiva; Expresso; 27/05/95

Se o candidato luta pela reeleição, um dos mecanismos a que se recorre habitualmente é mostrar imagens ou fazer referências a símbolos alusivos ao cargo, encontros internacionais…Por exemplo, nas legislativas de 1999, eram frequentes as referências aos encontros internacionais de António Guterres e ao convite que teria recebido para exercer o cargo de Presidente da Comissão Europeia. Dava estatuto e reputação, e simultaneamente explorava a ideia de que se ele era elogiado no estrangeiro, então é porque era bom.

Quem tenta a reeleição tem ainda a vantagem de em muitas reportagens ser tratado pelos cidadãos pelo nome do cargo que ocupa. O mesmo se passa no tratamento que é dado pelos jornalistas nas entrevistas. Simbolicamente, significa que já adquiriu um estatuto diferente dos outros candidatos.

Para se perceber melhor o efeito destes símbolos relata-se o comentário de um consultor de TV norte americano: “se o seu candidato for fraco em política de defesa, não mude o seu programa, apenas produza uma imagem colocando-o num tanque”. (4)

Estas palavras revelam uma outra constante nas mensagens que são transmitidas nas televisões: a mensagem incide mais no próprio candidato do que no seu programa. De nada vale apresentar uma lista de promessas e longos discursos.

É neste sentido que os líderes, antes de uma entrevista ou de um debate na televisão, têm a preocupação de se prepararem o melhor possível. Alguns vão cortar o cabelo, outros ficam a descansar no dia anterior para não aparecerem com um ar cansado. Mário Soares, por exemplo, tinha o hábito de dormir uma soneca antes dos debates.

Ao contrário, «em O Sapo e O Príncipe, Paulo Markun conta que Lula teve 16 reuniões e só 3 horas de sono nas 48 horas anteriores ao debate que pavimentou sua derrota em 89» contra Fernando Collor – O Estado de S. Paulo; 24/10/2004. Quando ganhou as eleições a situação foi bem diferente. Segundo relato da revista Veja, Lula descansou no dia anterior, fez um longo trabalho de preparação e até os assessores foram visitar o estúdio para escolher as cores mais adequadas para o fato e gravata a usar no debate.
Este é um trabalho usual. Em alguns casos chega-se a visionar edições anteriores do programa para se perceber o ambiente.

Se for a simples recolha de um depoimento para ser editado num jornal televisivo, os cuidados não são menores. Além da roupa, é estudado o local mais indicado em função da luz e do cenário que fica no fundo da imagem. Se o objectivo é dar uma imagem de modernidade, Guterres dava o depoimento junto do monitor do seu computador. Se era mais institucional, tinha a bandeira nacional no fundo da imagem. Se era de maior descontracção, a recolha era feita, por exemplo, nos jardins do Palácio de S. Bento. O mesmo procedimento teve Durão Barroso enquanto foi primeiro-ministro.


Ver ainda: O abuso do Marketing


(1) A importância da TV é de tal forma determinante que muitos consultores não têm a mínima dúvida ao afirmar que, se na altura já houvesse televisão, Abraham Lincoln , por exemplo, nunca teria sido eleito, devido ao seu rosto pouco atractivo.
(2) Spin Control – the white house communications and the management of presidential news; John Anthony Maltese; University of north Carolina press; 1994

(3) - Imagem Marca e Reeleição: A campanha presidencial de FHC em 1998; Rejane V. Accioly Carvalho

(4) Foi o que fez Michael Dukakis na corrida para a Casa Branca em 1988. O problema, segundo alguns especialistas, é que todos os elementos do cenário provocaram estranheza na audiência televisiva. O resultado foi negativo, porque, para muita gente, foi bizarra a imagem que lhes era apresentada. - «a campanha do então candidato democrata (que enfrentava George Bush-pai) começou a descarrilar quando ele teve a infeliz ideia de fazer circular uma fotografia sua dentro de um tanque. Com um capacete ridículo e um ar pouco à vontade, Dukakis parecia estar a brincar aos soldados; os eleitores decidiram que não confiavam nele para comandar as Forças Armadas.» Pedro Ribeiro; Público de 1 de Agosto de 2004 O adversário, George Bush, chegou a utilizar estas imagens num tempo de antena para criticar Dukakis.