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Comunicação Política

Comunicação Política

18
Fev11

Reportagem

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Não é muito difícil uma organização política captar a atenção dos jornalistas para uma reportagem.
Mais uma vez, o ponto de partida é a construção de um cenário que desperte a atenção dos jornalistas e, em última instância, da audiência dos órgãos de comunicação social.
O cenário pode ser algo bem simples, como por exemplo, a leitura de um comunicado (quando é urgente marcar uma posição) ou algo mais complicado e elaborado, como por exemplo, uma visita a um bairro, uma esquadra…ao estrangeiro.
Estes pseudo-acontecimentos são preparados ao pormenor. A experiência revela que por vezes, um pequeno deslize pode estragar todo o evento. Para evitar esta situação, um dos procedimentos habituais é testar o cenário.

Tudo é preparado com grande antecedência, nomeadamente a confirmação prévia das presenças dos convidados (1) e dos jornalistas, o material que vai ser entregue aos jornalistas e as condições de trabalho que lhes são facultadas.

Sobre a Caravana da «Nova Maioria», organizada pelo PS em 1995:
«integrado na volta, segue também um autocarro de luxo, cujo interior se encontra adaptado às indispensáveis necessidades dos jornalistas que fazem a cobertura da ronda de Guterres. Eles dispõem, gratuitamente, de terminais de computadores e de telefaxes, de telefones portáteis e de aparelhos de TV e até do serviço extraordinário de dois motoqueiros que transportam a qualquer momento para Lisboa ou Porto as cassetes dos operadores de televisão. Independentemente das facilidades concedidas aos jornalistas, o PS oferece ainda aos órgãos de informação que para ali mandam os seus «correspondentes» a estada gratuita nos hotéis onde ficam instalados». José Manuel Saraiva; Expresso; 27/05/95 .

Para a comunicação social é preparado um documento curto com dados alusivos à iniciativa que está ter lugar. Este dossier de imprensa contém apenas o essencial. É de fácil manuseio, sem folhas soltas e com uma referência clara ao conteúdo de cada documento.
É destacada a informação mais relevante e sintetizados outros dados, mesmo que não constituam qualquer novidade. Por dois motivos: permite ao jornalista ter background sobre a história (orientando o seu ponto de vista) e, muitas vezes, os jornalistas acabam por repetir essa informação. Desconhecem que esses dados já foram divulgados (devido ao número escasso de jornalistas especializados em muitas redacções, por vezes, o jornalista que vai fazer a cobertura do acontecimento não tem o background suficiente e desconhece o que é novo - são poucos os jornalistas que antes de sair para reportagem se tentam inteirar da iniciativa que vão reportar).

É igualmente frequente, neste tipo de cobertura dos media, a recolha de depoimentos. As regras a utilizar são as mesmas de qualquer depoimento. Mas há quem recorra a outros instrumentos. Se, por exemplo, a reportagem decorre num «exterior» é apontado um exemplo que está ali à vista, mostra-se … Este tipo de acção exige que se seja o mais concreto possível e não falar durante muito tempo.

Uma outra preocupação dos protagonistas destes pseudo-acontecimentos é dirigir o discurso para questões concretas, que dizem directamente respeito ao cidadão. Por vezes recorrem a valores estatísticos sobre a situação em causa mas, o mais frequente, é citarem um caso concreto que seja ilustrativo (2).
A situação ideal é que esse caso concreto tenha um rosto, uma imagem. Resolve um problema aos jornalistas – que procuram sempre imagens «reais» e vai de acordo às pretensões do autor da iniciativa.

Para conseguirem estes objectivos, parte significativa destas iniciativas são realizadas fora das tradicionais salas das conferências de imprensa.
O risco é maior mas muitos dos imprevistos podem ser ultrapassados. Os políticos mais experientes raramente perdem a calma e muitas vezes até recorrem ao humor para ultrapassar as dificuldades e improvisam uma mensagem que se articula plenamente com o pretendido.

Em momentos políticos agitados e em determinados círculos fechados (Assembleia da República), é usual recorrer-se com excessiva frequência a conferências de imprensa, o que acaba por causar alguma saturação nos jornalistas e por vezes até comentários jocosos.

Um outro motivo porque os jornalistas não apreciam muito as conferências de imprensa, é porque a mesma informação é disponibilizada para toda a gente, já que a regra é convocar todos os meios de comunicação social.
Os jornalistas preferem um contacto pessoal, colocar perguntas e obter respostas exclusivas, para conseguir alguma mais-valia, um cunho pessoal, uma perspectiva mais própria e não banalizada.
Tendo em conta este objectivo, há até jornalistas que assistem às conferências de imprensa não para ouvirem a declaração mas para fazerem uma «espera». No final, num contacto directo, aproveitam a oportunidade para recolher depoimentos exclusivos (por vezes as perguntas incidem sobre outras matérias).
Para os políticos o maior «problema» das conferências de imprensa é sujeitarem-se a perguntas que nada têm a ver com o tema do encontro.
Quando estão numa posição frágil é frequente esquivarem-se a essas perguntas, mas acabam sempre por dar uma imagem negativa.
Para ultrapassar este «problema», quando é dado conhecimento aos jornalistas da realização do encontro, em vez de «conferência de imprensa» aparece a expressão «declaração». Significa que não há perguntas. Outra possibilidade, que nos últimos anos está a ser mais utilizada é limitar o número de perguntas. Outra alternativa é substituir a conferência de imprensa por um comunicado escrito ou colocar outro dirigente – que nada tem a ver com a questão polémica a que se pretende «fugir» - a fazer a declaração.

Um erro frequente é avançarem com iniciativas que não têm qualquer interesse para os órgãos de comunicação social.
Provoca irritação nos jornalistas que se deslocaram ao local e no editor que deu prioridade a uma reportagem que não o merecia. O resultado é ir tudo para o lixo e para a próxima vez já fica desconfiado se vale a pena enviar um jornalista.

As assessorias e os dirigentes políticos com mais experiência sabem igualmente que nestes contactos com a imprensa é importante respeitar o «distanciamento» dos jornalistas. Feita a exposição, lançam algumas pistas ou sugestões sobre a relevância do que foi dito – não sobre a abordagem do jornalista – e nada mais do que isto.
A experiência revela que é contraproducente «impingir», seja o que for, ou fazer um acompanhamento «em cima» dos jornalistas. Alguém das assessorias faz um acompanhamento para prestar qualquer apoio ou esclarecimento e nada mais do que isso.
Algumas vezes, quando há apoiantes da organização política, é frequente haver pressão sobre os jornalistas. Nestes casos, os próprios assessores e dirigentes políticos assumem uma posição proteccionista e até pedem desculpas – tudo para que os jornalistas não se sintam incomodados ou condicionados.

Um outro motivo de irritação para os jornalistas é arrastar as iniciativas.
Os políticos mais experientes percebem quando se começa esse cansaço. Muitos jornalistas ficam desatentos e outros abandonam a sala. Aproveitam então uma oportunidade para dizer que é a última pergunta ou que a iniciativa está a terminar e depois de uma síntese, encerram o evento.

(1) “O almoço de ontem atraiu a Belas para cima de três mil idosos, deixando estupefactos os homens da máquina socialista, que já se davam por contentes se aparecessem aí uns mil. Faltavam pratos, guarda sóis, os talheres e o vinho nas mesas. Grupos de enérgicos velhotes como que “assaltaram” a adega do restaurante e chegavam exultantes às mesas com garrafas de tinto e de branco em cada um dos braços. A improvisação instalou-se, a banda desatou a tocar sem parar, os pares saltaram para a pista, António Guterres foi literalmente amassado à chegada.” Público - Setembro de 1995

(2) “A Praça de Bocage ficou a muito pouco de encher, no que terá sido um dos maiores comícios do PS na cidade do Sado. Guterres ensaiou o discurso da crise, mas não funcionou. Sacou então de uma verdadeira “bomba”, que, mais uma vez, soltou as lágrimas ao povo. Contou a história de uma criança de nove anos que, no dia anterior, lhe tinha entregado uma carta em que contava uma triste história. “A minha mão foi para o céu com apenas 29 anos…” E depois, lá vinha o previsível desenvolvimento. Pai desempregado, criado com avós. À carta juntava-se o retracto da criança que lhe dizia ainda: “Deixo-lhe o meu retracto para que não se esqueça das crianças como eu!” Já com umas lágrimas à solta por entre a assistência, Guterres assumiu um compromisso solene: “Se for primeiro-ministro, esta fotografia estará ao lado da dos meus filhos… Foi o momento mais forte do comício…”. Público - Setembro de 1995