Comentário
O comentário é cada vez mais frequente nos media portugueses e assume uma importância significativa.(1)
Por outro lado, o peso do tema de Política Nacional é significativo.
Num estudo publicado em Janeiro de 2008 "O Comentário Político e a Política do Comentário", Rita Figueiras concluiu que 42 por cento dos trabalhos publicados eram sobre política nacional. Em segundo lugar, com 10 por cento surgiam comentários sobre política internacional. Este estudo incidiu sobre Opinião publicada entre 2000 e 2005 no Expresso, Público, Diário de Notícias e Visão.
A opinião, o comentário tem uma forte capacidade de influência.
Por um lado, é uma mensagem fortemente persuasiva porque assenta numa imagem de imparcialidade. Por outro lado, é frequente o comentário ser feito por especialistas nessa área, o que reforça a credibilidade.
Segundo Benjamin Page, em Who Deliberates, «investigações mostram que a opinião destes especialistas transmitido nos media tem um impacte significativo na opinião pública. Os especialistas são apresentados nos media pelas suas credenciais (…) mas a sua escolha tem ainda a ver com a disponibilidade para participarem assiduamente, a capacidade de comunicação e de produção de sound bite». (2)
O sociólogo Villaverde Cabral, em declarações ao Público de 10/10/2004, admite que, directamente é reduzida a influência eleitoral dos comentadores, mas têm, um papel importante na determinação da agenda e «de forma geral, embora tecnicamente discreta, na orientação da opinião pública».
Deve-se ainda ter em conta que o comentário consegue atingir uma audiência significativa. Na forma do «comentador», do «editorial», do «mais e menos da semana» ou do texto de opinião.
Por exemplo, quando Marcelo Rebelo de Sousa fazia comentários no domingo à noite na TVI, o «Jornal Nacional» tinha em média mais de um milhão e meio de telespectadores e um «share» superior a 30 por cento. «A evolução do número de espectadores vai habitualmente crescendo até ao final do programa quando o professor fala» (Diário Económico de 07/10/2004) e «o Jornal Nacional de domingo tem-se posicionado nos três primeiros lugares do ‘top’ de programas mais vistos, normalmente acima das posições dos dias de semana» - Público de 07/10/2004.
Segundo o Expreso de 4 de Outubro de 2008, após a passagem de Marcelo Rebelo de Sousa para a RTP, "em 2005, segundo a Marktest, o professor estreou-se na RTP com um share de 38,4 e a média do 1º ano foi de 25,5. Este ano, o share médio está nos 21,6 e já é mordido pela concorrência. As últimas Notas Soltas de (António) Vitorino registaram 24,5 e Marcelo ficou-se pelos 21,5".
Em 2013, com o regresso de Marcelo à TVI a audiência rondava os 1,6 milhões de telespectadores. Quase à mesma hora, na RTP1, José Sócrates oscilava entre os 750 e 970 mil espectadores.
Segundo reportagem do Público, em 12 de Maio de 2013, Marcelo liderava na TVI acima de 1.4 milhões de telespectadores, seguia-se Marques Mendes na SIC com perto de um milhão e Morais Sarmento e José Sócrates por volta de 600 mil telespectadores.
Rita Figueira fez uma tese sobre «Os ‘opinion makers’ na Imprensa de Referência Portuguesa» e verificou que a partir da segunda metade da década de 90 aumentou significativamente a visibilidade dos comentadores. Na primeira página dos jornais começou a ser habitual a chamada para artigos de opinião. Alguns destes artigos são também colocados em páginas de destaque, como é o caso da última página.
O trabalho incidiu sobre seis jornais e um outro dado revelado é que nos anos 80 há 209 comentadores, 33 por cento são académicos, 22 por cento são políticos e 42 por cento são jornalistas. Na década seguinte o número de comentadores aumentou para 321 e a maioria são políticos (42 por cento), seguidos de 22 por cento de jornalistas.
Na reportagem atrás citada, do Público,em Maio de 2013, as tlevisões generalistas e temáticas de informação tinham 69 horas de comentário por semana. "Dos 97 comentadores com presença semanal na televisão portuguesa, destes, 60 são ou já foram políticos".
Segundo Felisbela Lopes a "carência de especialistas" é colmatada pelo "excesso de opinião composta pela classe política e pela classe jornalística"
No estudo da Marktest Media Monitor em 2002 sobre o conteúdo dos noticiários televisivos é apontado o valor global dos comentários de Marcelo Rebelo de Sousa e Miguel Sousa Tavares na TVI. Este último teve um tempo de emissão de mais de 12 horas ao longo do ano e Marcelo Rebelo de Sousa teve quase 23 horas.
Segundo o mesmo estudo, a presença do antigo líder do PSD na televisão e a notoriedade que conseguiu atingir, fez de Marcelo Rebelo de Sousa uma das personalidades com maior visibilidade na Televisão. Em 2002, estava em quinto lugar, depois de Durão Barroso, Paulo Portas, Ferro Rodrigues e Santana Lopes.
Marcelo Rebelo de Sousa até superava o Presidente da República.
Marcelo Rebelo de Sousa, Pacheco Pereira e Miguel Sousa Tavares são talvez os melhores exemplos do que Brian MacNair chama os jornalistas ‘pundit’ que estão a ganhar peso crescente na comunicação social. «Pundit é um termo que data do século XIX e que ainda sobrevive na Índia e refere-se a uma pessoa culta ou a um professor que não é apenas uma autoridade mas uma figura política reconhecida. (…) O ‘jornalista-pundit’ é alguém que o leitor de um jornal reconhece como uma autoridade em assuntos políticos. Ele transforma-se numa fonte que forma opinião, marca a agenda e a evolução de determinados temas. (…) Para alcançar este estatuto, o ‘pundit’ tem de ser aceite pela classe política, onde se move, obtém informação e estabelece julgamentos.» - Introduction to Political Communication; Brian McNair; Routledge; Londres; segunda edição, 1999
É ainda de assinalar que os comentários se transformam muitas vezes em notícias em outros órgãos de comunicação social. A criação de «factos políticos», com alguma frequência, provoca mesmo reacções oficiais de organizações políticas.
«O grupo parlamentar do PS contesta esta segunda-feira, em comunicado, as afirmações de Marcelo Rebelo de Sousa na TVI sobre a indicação do nome de João Pedroso para o Conselho Superior de Magistratura (CSM), numa altura em que, segundo o professor, o PS e o seu porta-voz, Paulo Pedroso, já sabiam estar sob investigação da Polícia Judiciária no âmbito do processo da Casa Pia». Diário Digital
Noutros casos, as reacções não são oficiais mas atingem uma dimensão muito relevante. Foi o caso da queixa de Jorge Sampaio de que não tinha tanto tempo de antena como Marcelo Rebelo de Sousa. Outro caso, mais controverso, foram as palavras do ministro dos assuntos parlamentares em Outubro de 2004. Rui Gomes da Silva acusou Marcelo Rebelo de Sousa de transmitir «sistematicamente um conjunto de mentiras com desfaçatez e sem qualquer vergonha». Estas declarações e a saída de Marcelo da TVI provocaram uma tempestade política, com fortes prejuízos para o governo de Santana Lopes.
Um comentário na TV, um editorial ou um artigo de opinião chegam a atingir um impacte que muitas organizações políticas não conseguem. Por mais iniciativas que desencadeiem.
Muitas vezes, porque dominam a linguagem dos média e sabem com exactidão o público a que se dirigem, há comentadores que fazem um trabalho notável de desconstrução. Conseguem com uma clareza ímpar explicar determinados acontecimentos ou comportamentos de actores políticos o que lhes permite uma excelente capacidade de comunicação.
Foi aliás notório, quando da saída de Marcelo Rebelo de Sousa o elogio feito à capacidade de comunicação do então comentador da TVI. É ainda de sublinhar que o comentário de Marcelo provoca uma leitura diferenciada. Varia consoante o background político de cada receptor. Nos fóruns realizados pela TSF e Antena 1 no dia seguinte à saída de Marcelo Rebelo de Sousa, os políticos e comentadores políticos sublinhavam a forma como ele exercia a influência política, através dos «recados» que mandavam. Por sua vez, ouvintes que revelavam não fazer um acompanhamento permanente da actividade política, preferiam sublinhar o papel didáctico desempenhado por Marcelo Rebelo de Sousa: a forma como explicava o que se passava, o enquadramento que dava aos temas para que todos percebessem e as críticas que fazia (que eram interpretadas como zeladoras do interesse comum).
Esta força e a linguagem irónica ou mordaz de alguns comentadores são factores que contribuem para a criação de antipatias e inimizades.
Este tipo de reacção é frequente em muitos políticos. Uns, (erradamente) acabam por comentar os comentários. Outros políticos, são também irónicos ou recorrem à hipocrisia porque sabem que é prejudicial uma reacção negativa. Preferem desvalorizar o desagrado que sentem e salientam a «obra feita» que já realizaram, a resolução dos problemas e dão a entender que não se deixam afectar pelas palavras críticas de um comentador. Não querem dispersar as energias e entrar em mais uma frente de desgaste. Sabem que o alvo das afirmações deve ser o adversário político e não alguém que está na margem desta luta política.
É igualmente reconhecido que, apesar da influência dos comentadores e da forma como fazem os comentários, assumindo-se como juízes do tribunal da opinião publicada, nem sempre o que dizem corresponde ao sentimento maioritário. A opinião dos comentadores e dos jornalistas, em geral, é mais o espelho da opinião das elites do que «a voz» do eleitorado. De certa forma, o prórpio Marcelo Rebelo de Sousa o reconhece quando afirmou ao JPN, em 2013, que "a influência dos comentadores é muito inferior àquilo que eles pensam. E a sua multiplicação banaliza essa influência, reduzindo-a, em inúmeros casos, quase a nula"
Segundo Einhart da Paz, antes das legislativas de 2002, «a imagem que Durão Barroso tinha na comunicação social – de não ser firme - não era a mesma que tinha entre o povo. Nem o formador de opinião, nem a elite comanda o voto. Nesse caso, a maioria silenciosa é que vale» (2). Como António Guterres disse a Bill Clinton, «nem sempre a opinião pública corresponde à opinião publicada».
A opinião transmitida pelos media é acompanhada pelos gabinetes de imprensa e muitos políticos preferem a leitura destes artigos às próprias notícias. Em alguns casos existe um espírito de abertura para reconhecer que alguns argumentos são válidos. Mas quando o comentário é negativo, muitos políticos têm uma reacção hostil colocando em causa a imparcialidade e a competência do comentador.
Curiosamente, a regra é ao longo do tempo crescer um sentimento de indiferença. Para os líderes políticos a única opinião válida é a da ‘corte’. O que constitui um problema porque «quanto mais alto você chegar, mais as pessoas à sua volta vão dizer o que você quer ouvir. Você terá sorte se um dos seus assessores lhe disser a verdade. A verdade vai doer». (3)
Nas estruturas mais profissionalizadas e com alguns recursos, a avaliação da opinião pública não se esgota na opinião publicada nos media. Realizam com frequência sondagens para avaliar se a acção política que estão a desenvolver tem uma apreciação positiva por parte do eleitorado.
«Morais Sarmento admite reactivar a estrutura que, no tempo de António Guterres, fazia estudos de opinião regulares sobre preferências detalhadas do eleitorado, por áreas temáticas, faixas etárias ou avaliações globais do Governo. Desactivada desde a saída de Guterres, esta estrutura de sondagens nunca foi utilizada pela equipa de Durão Barroso, que sempre disse recusar-se a governar sob pressão da opinião pública, mas que agora sente a necessidade de estar mais atenta aos sinais do eleitorado». Expresso 08/11/2003.
O mesmo se passa em momentos políticos de extrema relevância. Por exemplo, depois de um debate importante, são inúmeros e diversos os comentários produzidos. No entanto, avaliação é feita através de sondagens. E se os estudos são positivos, é feita uma fuga de informação para alguns jornalistas. O propósito é divulgar os resultados que mais interessam, de forma a atenuar algumas opiniões negativas feitas por comentadores políticos.
Muitos políticos procuram «amaciar» os comentadores que têm uma influência mais relevante. Como o próprio Marcelo Rebelo de Sousa afirmou em alguns comentários ministros e responsáveis da Administração Pública telefonam-lhe a tentar explicar o que se passou sobre um determinado assunto que já foi abordado ou que está a causar grande polémica.
Esta é uma das formas de evitar comentários negativos ou interpretações erradas.
Através deste diálogo é possível dar «background», explicar os condicionalismos das iniciativas e as opções que são feitas. Estes contactos por vezes não são convincentes, mas podem ser clarificadores em alguns aspectos e evitar erros e antipatias permanentes.
Cada político destacado tem a sua forma e um jeito particular de abordar estes comentadores. No entanto, para quem ocupa o cargo de primeiro-ministro parece ter sido institucionalizada a figura do pequeno-almoço. Foi assim com Cavaco Silva, António Guterres, Durão Barroso e José Sócrates que, com alguma frequência convidam directores dos principais órgãos de comunicação social e alguns comentadores para encontros informais.
(1) Para os órgãos de comunicação social também começa a ter importância a existência destes espaços de opinião - «Marcelo Rebelo de Sousa vai iniciar, já neste domingo, uma colaboração regular na TVI, regressando ao comentário político e à análise dos principais acontecimentos da semana. Marcelo tinha convites da SIC e SIC-Notícias, da RTP, da TSF e da futura televisão regional do Norte, além da Rádio Renascença» Expresso; 13/05/2000
(2) Público, 22/03/2002
(3) Poder e influência; Robert L. Dilenschneider; editora Record; RioJaneiro; 1994