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Comunicação Política

Comunicação Política

18
Fev11

3.10 Comícios

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Os grandes comícios estão em desuso.
Logo a seguir à revolução do 25 de Abril de 1974 era frequente a realização de comícios.

Na grande maioria dos casos, eram a expressão mais visível da força de uma determinada organização política. Se havia contestação, se havia um debate sobre determinada matéria, realizava-se um comício.


Essencialmente em momentos políticos muito agitados os comícios serviam de pretexto para a cobertura dos media e eram também um sinal de afirmação da força política.


Muitas destas iniciativas visavam alargar a base de apoio dos partidos e, outras vezes, medir forças com outras organizações políticas para, desta forma, condicionar o evoluir do “PREC” – período revolucionário em curso.


Um dos comícios que mais conseguiu este objectivo foi o da Fonte Luminosa, em pleno “verão quente” de 1975.
No dia seguinte ao comício, a 24 de Novembro de 1975, o PS emitiu um comunicado onde era afirmado “Assumiu particular significado o comício-manifestação na Fonte Luminosa em Lisboa. Centenas de milhares de pessoas encheram por completo a Alameda Afonso Henriques, mostrando, assim, que Lisboa é Socialista e que o Povo trabalhador de Lisboa, na sua grande maioria, está com o PS e condena a actuação golpista e antidemocrática dos sectores político-militares que tentam derrubar o VI Governo”.


Durante o período revolucionário o poder muitas vezes andava na rua e os partidos não se cansavam de procurar pretextos para organizar manifestações e comícios.

Normalizada a vida política portuguesa e com a consequente mediatização, a realização de comícios restringiu-se às campanhas eleitorais e a alguns momentos simbólicos.


A forma como os comícios são organizados também foi alterada profundamente.
O improviso deu lugar a uma profissionalização crescente e a custos bem significativos: «A volta do líder é uma megaprodução, que inclui três palcos, uma caravana e muito pessoal de apoio (30 pessoas)». – Público; 13/09/95
Hoje em dia os comícios são concebidos como um espectáculo mediático. Por isso mesmo, a cenografia é um dos elementos dominantes para que o “show” decorra da forma mais adequada para ser transmitido nas televisões.
Antes da campanha são visitados os locais onde vão ter lugar os comícios. Por vezes é um trabalho feito com grande antecedência devido ao número elevado de comícios (p. ex. nas legislativas de 1995, só no mês de Setembro, Fernando Nogueira participou em 25 comícios e António Guterres esteve em 24), e à necessidade de se reservarem os espaços.
A partir deste levantamento é concebida a cenografia: a concepção e colocação do palco, a iluminação, a colocação dos materiais de campanha, a entrada e a saída do líder, o púlpito, a colocação das câmaras de filmar –«nomeadamente a do sinal de vídeo interno – a disposição da audiência e a melhor forma de evitar espaços vazios, a música…. «Melhorar a iluminação do palco, encenar o espaço para as câmaras de televisão, em síntese pôr António Guterres a falar mais para o país do que para os presentes  no comício. Este é um dos desafios que o PS se propõe vencer nas próximas semanas (…) Portanto, daqui para a frente, o PS tenciona passar a pente fino os locais dos comícios, procurar os melhores enquadramentos, aperfeiçoar a apresentação em palco, ou seja, buscar uma atitude mais profissional». Público 25/08/95. O mesmo foi feito nas legislativas de 1999, com cerca de um mês de antecedência.


Qualquer um destes elementos é determinante para o resultado final.
O mesmo se passa com o acompanhamento permanente dos media na altura em que está a ter lugar o comício. Por exemplo, se há directos de televisões, é necessário passar essa informação ao orador.
Comício de encerramento do PSD nas legislativas de 1999: a RTP estava a fazer um directo e o assessor de imprensa do PSD, José Mendonça, foi a um canto do palco, com uma placa, dar o sinal a Durão Barroso. Hoje os métodos já são mais sofisticados


Antes de subir ao palco, o orador já foi informado do local onde estão colocadas as câmaras de filmar.
Quando do directo de uma televisão, o orador aproveita a ocasião para transmitir a mensagem essencial. Muitas vezes até repete, volta atrás…


O acompanhamento do que está a ser transmitido permite também recorrer a uma outra encenação, vulgar nos concursos e espectáculos televisivos: quando começa o directo de uma das televisões, o animador do comício toma a palavra, interrompe o orador e começa a “puxar” pela audiência. O grito colectivo de slogans, o agitar das bandeiras… tudo isto contribui para a transmissão de uma mensagem de vitalidade e união.


«O aplauso alegre e estridente serve de instrumento heurístico de consenso social: uma ideia que transmite que todos aceitam esta mensagem, também você o deve fazer. O reconhecimento do poder do instrumento heurístico do aplauso leva os políticos a ambientes favoráveis, tal como os realizadores de televisão inserem risos e aplausos como som de fundo, ou leva os anunciantes a utilizar testemunhos e a apresentar os seus produtos como tendo grande procura»  (1)


Para se conseguir esta imagem de vitalidade é igualmente necessário que a audiência cumpra o seu papel nesta cenografia. Habitualmente esta função é exercida por grupos ligados às juventudes partidárias.
Por outro lado, procuram evitar espaços vazios. É por isso que, quando os partidos têm receio de não reunir uma grande multidão, recorrem a espaços fechados e de menor dimensão. Por vezes desculpam-se com a chuva ou o mau tempo mas, na grande maioria dos casos, é porque têm terror das clareiras. Este receio é também tido em conta no planeamento dos comícios. Essencialmente em campanha eleitoral, as principais apostas têm lugar na sexta-feira à noite ou no sábado. E se por acaso há um jogo de futebol importante que vai ser transmitido nas televisões ou qualquer outro acontecimento relevante, muda-se a hora ou os músicos em palco tocam mais alguns minutos.


Para os últimos dias deixam os locais onde há a certeza que se consegue reunir um número maior de apoiantes, para dar a ideia de um apoio crescente.
E se “Maomé não vai à montanha, vai a montanha ter com Maomé”: «Fernando Nogueira praticamente não pára, até porque vai ser cabeça-de-cartaz das festas de Verão que o PSD decidiu promover em algumas das praias do país. A 25 de Agosto na Póvoa de Varzim, a 27 no Furadouro, a 29 na zona ribeirinha de Lisboa (ou no Tamariz) e a 2 de Setembro na Figueira da Foz – eis os locais onde o PSD espera encontrar o eleitorado fora dos grandes centros devido às férias estivais” – Público 05/08/95.


Eduardo Cintra Torres  sobre os comícios da “rentrée” do PS, PSD e PP em 2003.

«Os Telecomícios da Rentrée

As semelhanças entre os três comícios foram as seguintes:  - Principal semelhança: presença da televisão.  - Os três partidos escolheram espaços urbanos privilegiados (praças centrais, com cafés) de localidades de “província”.(…) A principal preparação cénica é a do palco, com a frase de “rentrée” e o púlpito donde ora o líder.  - Tal como nos “talk-shows” televisivos, dá-se atenção, embora desigual, à animação das massas e à música como formas de criar uníssono nas multidões. (…) Todos os partidos deram a conhecer antecipadamente aos jornalistas o que consideravam ser os principais tópicos dos discursos, pelo que a entrada em palco dos líderes já se fez enquadrada por esse auto-agendamento nas intervenções prévias das jornalistas (…). A roupa dos líderes estava de acordo com a circunstância e a posição institucional: Ferro, da oposição, em camisa; Portas, júnior do Governo, de calça clara, blazer azul e camisa aberta; Durão, chefe de Governo, idem, mas de gravata.
Em resumo, os três comícios foram feitos para a TV. (…) Todos os líderes estavam a falar para o país (Durão disse-o) ou para o partido em primeiro lugar (Ferro) via TV e menos para os presentes. A construção do espaço, a escolha da hora e a animação e guarda-roupa da assistência organizada estavam feitas para a TV, sem competência técnica no caso do PS e com apuro especial no caso do PSD.(…)»  Público


Para evitar o cansaço da audiência e a saída extemporânea de muitas pessoas, os organizadores dos comícios têm sempre mão forte para resistir às pressões e reduzir o mais possível o número de oradores.


Da história recente, um dos episódios que mais marcou a luta partidária foi no Verão de 1995, quando o PS decidiu realizar em simultâneo com o PSD o comício da rentrée em Faro. Foi um medir de forças que até levou a comunicação social a fazer um levantamento dos dois locais, através de um helicóptero. O balanço foi positivo para o PS o que acabou por impulsionar fortemente o arranque da sua caminhada para a vitória.


Nos últimos anos a tendência é evitar o recurso sistemático a comícios.


Por exemplo, nas eleições presidenciais de 2001, Jorge Sampaio optou por pequenas salas onde, de uma forma mais pessoal, intimista, se dirigia à plateia. Um homem num palco, com um microfone e (aparentemente) sem grandes encenações. Os custos são menores, não há o risco de a sala não encher e é reforçada a relação pessoal entre o candidato e a plateia.
No caso do Reino Unido é banal este tipo de contacto. O candidato, num local já determinado e preparado pela estrutura de campanha, apresenta-se directamente às pessoas que se concentram em pequenos grupos. A panóplia de microfones, cartazes e música é substituída por uma relação mais pessoal e directa.


Segundo um estudo de Max Atkinson - Our Master’s Voice, realizado em 1994, no contacto do candidato com o eleitorado, são outros os elementos relevantes:
1.     Mais do que o conteúdo das intervenções, são as técnicas verbais e não verbais que permitem uma resposta positiva.
2.     A atenção do público é menor quando um orador fala muitas vezes ou durante muito tempo.
3.     Para garantir a atenção do público é preciso assegurar boas condições de audição e visibilidade.
4.     O orador deve ter uma vigilância permanente da assistência.
5.     Ajudas especiais como músicas ou slogans podem estimular a audiência  a reagir em uníssono.
6.     Um aplauso ocorre regularmente no final de uma intervenção equivalente a um parágrafo de um texto escrito.
7.     O orador  deve dar um conjunto de sinais, deixas, que permitam à audiência perceber quando deve aplaudir.
8.     Um tipo de mensagem que provoca o aplauso é a apresentação favorável de uma personalidade - identifica-se a pessoa, diz-se algumas palavras sobre ela e depois segue-se o nome. Uma pausa entre o nome e o apelido dá a oportunidade à audiência para se manifestar.
9.     Um outro tipo de mensagem que provoca uma reacção positiva é fazer um juízo favorável, não a nível individual mas colectivo - “nós”.
10.     As críticas e os ataques ao adversário também favorecem um bom feed back.
11.     Na apresentação de listas, exemplos, narração de casos… o número adequado é três. Dois exemplos é pouco; quatro é muito. A lista com três unidades dá a ideia de unidade e de complementaridade.
12.     Fazer um contraste entre dois itens provoca igualmente uma reacção positiva.
13.     Evitar seguir um texto.
14.     Sincronizar o movimento dos braços, das mãos, da cabeça com o conteúdo verbal.
15.     Olhar para a audiência e não utilizar óculos que dificultem a visibilidade dos olhos do orador.

 

 

(1) La era de la propaganda – uso y abuso de la persuasión; Anthony Pratkanis, Elliot Aronson; Oaidós Comunicación; ; Barcelona; 1994

18
Fev11

3.2 Fotos e ilustrações

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Alguns eleitores nunca terão um contacto directo com os candidatos.
A única forma é através de materiais de campanha. Mesmo assim, alguns nunca vão ler os textos. Ficam apenas com um olhar sobre as imagens. Daí a importância das fotos e ilustrações nos materiais escritos.
Devido à relevância que têm em todo o material de comunicação política, as fotos devem ser tiradas por fotógrafos profissionais.
A pessoa que vai ser fotografada é vista de frente, olhos nos olhos, sem um ar distante ou orgulhoso.

Foto oficial de António Guterres

“Apenas um rosto, com uma expressão suave, um ligeiro brilho nos olhos, uma vaga auréola messiânica e um sorriso tranquilo. Pormenor final e fundamental: António Guterres olha-nos nos olhos. A fotografia está tão bem conseguida que não é possível passar a página sem nos fixarmos nesse olhar transparente do primeiro-ministro. É esta simplicidade que resulta. Dispensa palavras. A imagem, só por si, transmite a mensagem requerida: confiança, serenidade e saber. É um homem acima dos outros. Distante, mas próximo. Quem fez isto sabe, decididamente, o que está a fazer…”. Luís Delgado. DN, 22 Outubro 1998.

A mesma pose teve António Guterres no cartaz das legislativas de 1995.


Esta foto de António Guterres foi também utilizada nos materiais de campanha de 1999, porque «não havia nenhuma fotografia tão boa como aquela e António Guterres estava mais gordo», disse Edson Athaíde à Capital em 10 de Agosto de 2004.


Agora, em contraponto, veja-se a pose de Durão Barroso num outdoor que colocado em Julho de 1999.

A pose não é a mesma. Durão Barroso aparece mais de perfil.

Uma outra diferença é a mancha escura numa das faces.

Nas legislativas de 2002 Durão Barroso já tinha outra postura nas fotos.

Muito mais cuidada. Sem sombras e directo.

Esta fotografia foi usada no mailing enviado para as casas dos eleitores.

Nos cartazes, as fotos eram muito semelhantes porque foram tiradas na mesma sessão e com a mesma roupa.


O estranho foi quando Durão Barroso assumiu o cargo de primeiro-ministro.


Durante dois anos recorreu a uma foto oficial mais fria e sem os ícones nacionais.

 

 


Segundo relata o Expresso de 3 de Janeiro de 2004, «Durão Barroso resistiu quase dois anos a ter uma fotografia oficial – mas acabou por ceder.

Os insistentes pedidos de várias entidades (com especial destaque para as embaixadas, que naturalmente querem ter as fotografias dos primeiros-ministros) acabaram por falar mais alto.

O fotógrafo foi Homem Cardoso (…). O objectivo foi ser uma foto muito simples, tendo como único fundo a bandeira nacional».


José Sócrates - foto no site do PM na biografiaEstranho é também o comportamento de José Sócrates. Dois anos após a tomada de posse como primeiro-ministro, o site do gabinete do chefe de governo mostrava na biografia uma foto inadequada. Na verdade tem o fundo com os ícones nacionais mas a pose é demasiado informal e esteticamente ficam muito aquém das fotos de Guterres e de Durão Barroso.


O lote de fotos deve ser variado: com crianças numa escola; em instalações de tecnologia avançada; num local muito conhecido; num colégio ou universidade com jovens; num parque, lago, rio ou outra área que sirva de referência para questões ambientais; num centro comercial ou mercado; num escritório ou local de estudo com um fundo com livros; com a comunicação social (microfones apontados ao candidato), com a família….

Uma outra regra que habitualmente é seguida é evitar fotos de corpo inteiro.
Um outro cuidado é evitar a utilização da mesma roupa em várias fotografias.
Há também quem não perca a oportunidade de obter fotos com figuras/personalidades com grande notoriedade e, preferencialmente, junto dos cidadãos.
Nas fotografias tiradas em locais públicos é habitual o recurso a apoiantes, a envolverem a imagem do candidato. Este cenário não pode aparecer de uma forma artificial, mas antes, dar a ideia de um diálogo entre o candidato e as restantes pessoas que, por sua vez, em materiais de campanha, devem corresponder aos arquétipos dos eleitores do círculo eleitoral.

As fotos mais formais são as escolhidas para a imprensa. Devem ser enviadas para as várias revistas e jornais, na edição de papel e electrónica. Antes de momentos políticos marcantes devem ser entregues fotos recentes para os arquivos desses órgãos de comunicação social ficarem actualizados. Teresa Roncero Villa (1), num estudo efectuado em 1998 sobre a campanha para as eleições legislativas em Espanha concluiu que muitas das fotos utilizadas por três jornais nacionais eram de arquivo. Por exemplo, o ABC foi o jornal que publicou mais fotografias de Felipe González e «a totalidade das fotos são de arquivo. Portanto, nenhuma das fotos tem valor noticioso no sentido de informação actual. (…) A valência das fotografias é rotunda: 100% negativas» Em relação a Aznar, a situação foi bem diferente. «73% são fotografias de actualidade (…) e todas as fotografias têm um significado positivo». Estas fotos eram trabalhadas pelos editores gráficos e em muitos casos reenquadravam o líder partidário, «não atribuindo ao protagonista funções práticas ou funcionais (o que fazem, como, com quem, onde) mas apenas categorias morais (como sou), através de um repertório de gestos».

Para evitar uma utilização nefasta das imagens que são enviadas para os órgãos de comunicação social deve ser feita uma selecção rigorosa e ter em conta os elementos atrás referidos.
Nos panfletos e newsletters podem ser usadas fotos informais, preferencialmente em locais de fácil reconhecimento e com carga simbólica para a comunidade a que se dirige o candidato.

As fotos devem ser editadas, nomeadamente seleccionar (recortar) a parte mais dinâmica, que concentre o olhar no candidato e permita uma mais eficiente interacção com as outras pessoas.


Dois exemplos publicados no “Povo Livre”, o órgão oficial do PSD.


Esta é uma foto bem conseguida.

Podia, eventualmente, ser melhorada se tivesse sido cortada. Evita-se a dispersão do olhar do leitor por outros elementos que nada acrescentam à mensagem que se quer transmitir.

Povo Livre

O mesmo não se pode dizer desta imagem, quando se pretendeu realçar a presença do então líder do PSD, Marcelo Rebelo de Sousa.


As fotografias dos dirigentes políticos ou candidatos podem ainda ser enquadradas com outro material gráfico. Tudo depende do fim que se pretende alcançar.

Pode até haver uma “interacção” entre a foto e o texto, mas nada de complicado - simples e eficiente.

Preferencialmente com outros elementos gráficos que identifiquem a foto: o nome, o símbolo partidário, o número do candidato – da mesma forma como estão no boletim de voto.

 

(1) Teresa Roncero Villa; Noticias o carteles electorales? Imagem política en prensa e info-propaganda; Revista Latina de Comunicación Social; Octubre de 1998 – número 10

18
Fev11

1. O líder e a política de comunicação

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«Para Alejandro Pizarroso Qintero, existem três tipos de políticos com os quais os profissionais do marketing terão de se confrontar: aqueles que não entendem o fenómeno da comunicação e não atendem aos conselhos dos consultores, aqueles que são um puro produto de marketing e aqueles que têm personalidade e inteligência para atender a esses conselhos» Público; 06/04/1998
Ao fim de alguns meses, independentemente da relação inicial, todos percebem que é vital o papel desempenhado pelo líder e o seu envolvimento na política de comunicação.

Numa sociedade fortemente mediatizada, os líderes são o elemento central da actividade política.
Há uma relação biunívoca. Os dirigentes precisam da comunicação social para difundir a sua mensagem e, por outro lado, os media andam incessantemente atrás dos líderes. Um exemplo é o número crescente de histórias que vasculham a vida pessoal dos líderes e dos seus familiares. Os chefes de governo, os ministros os líderes partidários recebem centenas de solicitações por parte de jornalistas.
Porque a actividade que desempenham está muito dependente da avaliação que é feita pelos órgãos de comunicação social, os líderes políticos procuram adaptar-se à linguagem e aprendem muitas das técnicas de comunicação.
Nem todos os dirigentes partidários se adaptam bem a este papel, nem à postura que muitas vezes são «obrigados» a assumir, em função da mensagem que foi definida.
Foi o caso de Santana Lopes quando assumiu as funções de Primeiro-ministro.
A imagem com que se apresentou não era a que estava na memória das pessoas. Procurou uma postura mais institucional. «Não gostava do penteado dele, mas ele dizia-me que se usava em Portugal. Agora, quando chegou a primeiro-ministro, finalmente cortou o cabelo» - Einhart Paz, em declarações à A Capital; 10/08/2004. Santana Lopes fez outras alterações. Parte significativa das intervenções públicas foi feita com discursos escritos e não se deu bem. Aparecia muito distante. Teve de mudar e passou a improvisar. Por várias vezes a comunicação social chegou a referir que ele não se adaptou bem ao papel de primeiro-ministro e a oposição acusou-o no Parlamento de «não se sentir bem no fato de chefe de Governo».

«Quando ascendeu ao Governo, há três anos, Paulo Portas assumiu uma pose de estadista que soava a falso. Passou a vestir de modo mais formal, adoptou uma postura corporal rígida e pareceu mesmo ensaiar uma mudança na colocação de voz.
Todos os observadores notaram a diferença – que foi objecto de múltiplos comentários.
A verdade é que, a pouco e pouco, o hábito foi fazendo o monge – e a certa altura o “Paulo Portas governante” e o “Paulo Portas individuo” confundiam-se, a ponto de ninguém distinguir um do outro.
Com Pedro Santana Lopes sucedeu exactamente o oposto.
Em vez de se meter na pele do governante, Santana tentou que o governante se metesse na sua pele. Engoliu-o Continuou a ter o comportamento que tinha antes, a fazer as mesmas coisas, a manter os mesmos hábitos, a encarar a vida do mesmo modo.
Deve dizer-se que esse é o lado mais atraente de Santana Lopes: ser ele próprio em todas as circunstâncias e levar a vida com ligeireza.
Só que, de todos os cargos da política portuguesa, o de primeiro-ministro é o mais exigente.
Ao querer adaptá-lo à sua forma de estar, Santana Lopes retirou-lhe toda a respeitabilidade e traçou o seu próprio destino». José António Saraiva; Expresso de 22/01/05.

Este é um processo que necessita de uma adaptação mútua entre o candidato e a mensagem que se pretende transmitir. É um casamento que tem de ser perfeito.

“Preparar o candidato não significa procurar ensinar-lhe coisas a respeito das quais conhece bem e já tem pontos de vista formados. Trata-se, isto sim, de proceder a um ajustamento entre a sua personalidade, suas ideias, objectivos políticos e administrativos e a linguagem a ser adoptada nas comunicações aos eleitores, adequando o conjunto à plataforma política final (…) o candidato deverá ser preparado para a linguagem, o processo de comunicação que deve ter com os eleitores. Em todos os níveis, portanto desde a comunicação factual, publicitária, até os contactos com os grupos representativos do seu eleitorado e os próprios eleitores, passando pela cobertura da imprensa, reuniões, comícios, encontros, entrevistas, etc., a imagem de personalidade do candidato deve obedecer a parâmetros uniformes, valorizando a credibilidade em seus planos de acção, em sua plataforma eleitoral (…) Trata-se pois, na verdade, não de preparar um candidato mas, sim, de fazer com que este seja visto sob a óptica do político em acção política”. - “A Cartilha da Eleição” - Manual do PDS ( Partido Democrático Social ), Brasil.

Nas palavras de Edson Athayde ao Público de 5 de Julho de 1999: “Construir a imagem de um político é impossível, explica. «Pode ir conseguindo convencer as pessoas um dia, outro dia, mas chega a altura em que o olhar trai, alguma coisa não convence, soa a falso. A imagem do engenheiro Guterres é a dele, enquanto for a dele está óptima»”.
Roger Ailes, que foi um dos principais conselheiros de Ronald Reagan conta a sua surpresa quando assistiu a um encontro do candidato republicano com os assessores de imagem. Estes queriam obrigar Reagan a assumir uma postura que não tinha nada a ver com ele e tudo soava a falso. Quando Ailes assumiu o papel de conselheiro alterou completamente esta postura e apostou na valorização de uma das principais características de Ronald Reagan: «ele era um excelente comunicador». Ele próprio era «a mensagem», o trabalho a fazer era valorizar esta característica deixando-o assumir uma postura natural e preparar apenas a argumentação que Reagan poderia utilizar.

Com o crescente efeito da personalização da política em Portugal, este tem sido também o caminho percorrido pela maior parte das organizações políticas. Procuram centrar a mensagem nos atributos que estão directamente associados à imagem do líder.
Os valores pessoais, as crenças sobre o sistema político, o seu passado e da organização política que lidera (o que por vezes implica alterar a imagem do partido), a forma como reagiu numa situação difícil... são sinais importantes para o eleitorado e até determinantes para estabelecerem juízos de valor, afectos e a escolha na hora do voto.

Para aferir a «imagem» do líder, as características negativas e positivas, recorre-se a estudos de opinião. Numa primeira fase é um trabalho qualitativo, para se saber a percepção do eleitorado sobre o candidato - aquilo que ele é, o que gostariam que fosse e o que esperam dele.

Numa segunda fase, depois de trabalhadas as conclusões do estudo qualitativo e lançadas as pistas que podem ser seguidas, passa-se para um estudo quantitativo.
Conclusões de um estudo – qualitativo e quantitativo - realizado em 1999 onde se «afere» a imagem de António Guterres e Durão Barroso:

Foto A. Guterres: Foto Durão B. Durão B. - negativos

Vantagem de A Guterres (1)

Conclusões de um outro estudo, anterior, quando estava a ser preparada a AD de Marcelo Rebelo de Sousa e Paulo Portas:
«António Guterres / Marcelo Rebelo Sousa:

1. Atributos mais valorizados:

2. Atributos menos valorizados:

Vantagem na comparação:

Estes dados servem, em primeiro lugar, para se perceber qual a leitura do eleitorado em relação aos líderes políticos.
Traçados os «perfis», o passado seguinte é avaliar quais os atributos positivos do líder que devem ser valorizados e quais as características negativas do adversário que devem também ser realçadas. Um outro dado que é avaliado é se é possível alterar este perfil, através de iniciativas ou mudanças na postura. No fundo, é procurar atingir o «perfil desejado» pelo eleitorado, pelo menos em alguns atributos considerados vitais.

É em função do perfil actual e do perfil que pretende alcançar que o líder norteia a sua acção política e o modo como se apresenta ao eleitorado.
O processo mais recorrente é começar por estabelecer um conjunto de compromissos perante o eleitorado.
É um parágrafo com uma linguagem clara e com um conteúdo adequado às expectativas do eleitorado.
Numa situação normal, «o líder apresenta-se perante o eleitor no estilo do “homem comum”, para que a massa dos eleitores se possa identificar com ele. Existe outro tipo de “imagem” mais adequada em épocas de crise. Trata-se do líder pai da nação, no qual se confia e se entrega a tutela dos demais». (1)

Numa fase posterior, esses compromissos são desenvolvidos e assumidos de uma forma frontal com o eleitorado.
Basicamente o jogo consiste na seguinte regra: o eleitorado ao votar num político delega nele determinadas responsabilidades. Para conseguir esta delegação de poderes, o político tem de ser merecedor de confiança, competente, honesto... Pode não o ser, mas tem de o parecer. Tem de dar sinais que é competente, que tem capacidades para assumir as responsabilidades do cargo, que não vai esquecer quem o elegeu e mantém a palavra dada....
Para alcançar alguns destes atributos, o político tem de saber do que fala, não cometer erros e, antes de mais, incutir entusiasmo e confiança.
Um líder tem de evidenciar ambição e confiança de que vai atingir o objectivo.
Esta característica é fundamental para poder mobilizar, logo numa primeira fase, os seus apoiantes. Fernando Lima sobre Cavaco Silva: “era importante que os portugueses compreendessem que o País tinha um rumo e que ele, à primeira dificuldade, não mudava de agulha. Procurava, com a força das suas convicções, transmitir esperança e ambição”.
Para alcançar esta projecção de confiança, um dos recursos mais frequentes é estabelecer objectivos a curto prazo que sejam realizáveis.
Alicerçada esta imagem, partem então para outro patamar, com metas estabelecidas a médio e longo prazo.

Todos estes elementos são importantes na implementação de uma política de comunicação, mas há precauções a tomar antes de se avançar com as iniciativas e sair para o terreno.
Um líder político é alguém que está a ser observado em permanência pelos eleitores e pela comunicação social. Um dirigente político está frequentemente sob a mira dos adversários e sujeito a desafios permanentes, quer dos outros partidos, quer da comunicação social, como também dos próprios apoiantes. A pressão é tão grande, que é necessário estofo e preparação adequada para ultrapassar essas dificuldades.

“Numa campanha eleitoral, os líderes estão tão expostos que a verdade vem sempre ao de cima, há um “striptease” público que mostra tudo, o melhor que se pode fazer é ajudá-los a estar bem, dar-lhes conselhos básicos que qualquer pessoa sabe dar” - Manuel Maltez, director-geral da BBDO Portugal que trabalhou para o PSD nas eleições europeias e legislativas de 1999, em declarações ao Público de 6 Julho de 1999.

É tendo em conta estes factores que, previamente, é feito um trabalho de “laboratório” para tirar melhor partido da exposição pública. Como se comportar perante as câmaras de televisão, como falar através de um microfone, que tiques devem ser evitados, o melhor aproveitamento da voz, que técnicas devem ser usadas em situações como entrevistas (2), debates, contacto com eleitorado, avaliação da situação em que se pode tirar melhor partido (pequenos grupos, comícios, contactos de rua, participação nos media …).
Os resultados de todo este trabalho é depois tido em conta no planeamento da política de comunicação.
O próprio candidato deverá ter confiança em todos os passos que está a dar. Confiança em si próprio e confiança na sua equipa. Só assim conseguirá ter um norte e resistir à má-língua, à intriga, a conselhos, dicas de leigos, por mais próximos que lhe sejam.
Em algumas circunstâncias (essencialmente quando o líder não é muito conhecido) o trabalho prévio chega ao ponto de escolher qual o nome que deve constar em toda a comunicação. (O nome não é grande, tem de ficar no ouvido e quando o apelido é banal, mais importante se torna o primeiro nome.)

Com o objectivo de acentuar a imagem de competência, honestidade, prestígio e o estatuto que já adquiriram (sinais indutores de confiança), os líderes recorrem também a iniciativas onde se tentam «colar» a figuras internacionais. Exemplos não faltam - reuniões, encontros com dirigentes políticos internacionais; participação em encontros internacionais e nacionais de grande prestígio; convites a personalidades importantes; publicação de livros… mesmo sobre matérias que nada têm a ver com a actividade política. Os livros foram o forte na campanha eleitoral das Europeias de 1999, com Pacheco Pereira a ter grande visibilidade mediática devido à biografia de Álvaro Cunhal. Quanto aos encontros internacionais dois exemplos: o empenho de António Guterres, antes das legislativas de 1995, em encontrar-se com Helmut Khol – “(…) na mente dos dirigentes socialistas, sobretudo daqueles que dirigem a campanha, estão as vantagens eleitorais que poderão tirar da audiência com o democrata cristão, Khol. Acham mesmo que, «se o PS não tivesse hipóteses de ganhar, Khol não o receberia…»” – Público 21/08/95.
O outro exemplo tem a ver com Durão Barroso que, mal foi eleito líder do PSD, teve uma audiência com o chefe do governo espanhol, José Maria Aznar.
Ainda na fase de pré-campanha um dos principais objectivos de Durão Barroso na visita ao Brasil foi a “foto” com Fernando Henrique Cardoso.

Se estas oportunidades forem devidamente aproveitadas, o candidato não dá o tempo por perdido… “ Penso que posso dizer, como uma das testemunhas directas, que o Prof. Cavaco conseguiu grande projecção internacional, expressa não só através de inúmeros artigos de órgãos de comunicação social de renome mas, também, pelas referências elogiosas de muitas personalidades conhecidas e pelos prémios de prestígio que lhe foram atribuídos” - Fernando Lima.

São muitas as oportunidades que um líder político tem ao seu dispor para projectar a sua imagem. Muitas pessoas estão convencidas que é uma actividade aliciante, para não dizer, deslumbrante. No entanto, há uma faceta que habitualmente é ofuscada. É uma actividade muito exigente, dá muito trabalho e por vezes implica muita paciência.
Não é fácil e exige uma grande preparação ter de «dar a cara» em situações difíceis e de grande tensão, até mesmo do ponto de vista pessoal. Na noite em que morreram ter soldados portugueses na Bósnia, António Vitorino teve de «cerrar os lábios» e fazer uma declaração que as televisões transmitiram em directo. Terminada a intervenção, já nos bastidores, não aguentou e surgiram as lágrimas.
António Guterres conseguiu ofuscar na sua actividade pública como Primeiro-ministro os difíceis momentos que passou com a doença da sua mulher, durante semanas.
Ferro Rodrigues andou, infundadamente, a ser envolvido no escândalo Casa Pia e, durante algumas semanas, conversas particulares que teve (por exemplo com a filha) sem qualquer significado com o caso, foram relatadas na comunicação social. E tinha de aparecer em público, nas actividades de secretário-geral do PS, contendo a sua revolta e amargura pelo que lhe estavam a fazer. Falava de temas que tinham a ver com os objectivos políticos e os jornalistas só lhe faziam perguntas sobre o caso Casa Pia. Apesar destas dificuldades, não baixou os braços mas, nos bastidores, quem ouvia os seus desabafos, percebia que levava o esforço quase ao limite para cumprir a sua tarefa.
Para se ser um bom líder é vital ser um bom comunicador. Mas não é tudo. A exposição pública é de tal forma grande que, se falhar uma das partes, falha tudo.


Ver ainda: Fale para todos como se falasse para cada um

 

(1) Mario Herreros Arconada; Teoria e técnica da Propaganda eleitoral; Coleccion Comunicación y relaciones públicas; PPU, Barcelona, 1989

(2) Só para dar um exemplo (da autoria de Roger Ailes) de uma técnica que pode revelar uma faceta pessoal: a técnica consiste em ajustar o tom de voz e as expressões gestuais à forma como foi feita a pergunta. Se o jornalista faz a pergunta num estilo agressivo, hostil, o candidato deve responder com calma, de uma forma suave. Através desta técnica consegue evidenciar que controla as emoções e não se deixa influenciar pelas dificuldades que lhe são criadas.