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Comunicação Política

Comunicação Política

18
Fev11

1. O líder e a política de comunicação

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«Para Alejandro Pizarroso Qintero, existem três tipos de políticos com os quais os profissionais do marketing terão de se confrontar: aqueles que não entendem o fenómeno da comunicação e não atendem aos conselhos dos consultores, aqueles que são um puro produto de marketing e aqueles que têm personalidade e inteligência para atender a esses conselhos» Público; 06/04/1998
Ao fim de alguns meses, independentemente da relação inicial, todos percebem que é vital o papel desempenhado pelo líder e o seu envolvimento na política de comunicação.

Numa sociedade fortemente mediatizada, os líderes são o elemento central da actividade política.
Há uma relação biunívoca. Os dirigentes precisam da comunicação social para difundir a sua mensagem e, por outro lado, os media andam incessantemente atrás dos líderes. Um exemplo é o número crescente de histórias que vasculham a vida pessoal dos líderes e dos seus familiares. Os chefes de governo, os ministros os líderes partidários recebem centenas de solicitações por parte de jornalistas.
Porque a actividade que desempenham está muito dependente da avaliação que é feita pelos órgãos de comunicação social, os líderes políticos procuram adaptar-se à linguagem e aprendem muitas das técnicas de comunicação.
Nem todos os dirigentes partidários se adaptam bem a este papel, nem à postura que muitas vezes são «obrigados» a assumir, em função da mensagem que foi definida.
Foi o caso de Santana Lopes quando assumiu as funções de Primeiro-ministro.
A imagem com que se apresentou não era a que estava na memória das pessoas. Procurou uma postura mais institucional. «Não gostava do penteado dele, mas ele dizia-me que se usava em Portugal. Agora, quando chegou a primeiro-ministro, finalmente cortou o cabelo» - Einhart Paz, em declarações à A Capital; 10/08/2004. Santana Lopes fez outras alterações. Parte significativa das intervenções públicas foi feita com discursos escritos e não se deu bem. Aparecia muito distante. Teve de mudar e passou a improvisar. Por várias vezes a comunicação social chegou a referir que ele não se adaptou bem ao papel de primeiro-ministro e a oposição acusou-o no Parlamento de «não se sentir bem no fato de chefe de Governo».

«Quando ascendeu ao Governo, há três anos, Paulo Portas assumiu uma pose de estadista que soava a falso. Passou a vestir de modo mais formal, adoptou uma postura corporal rígida e pareceu mesmo ensaiar uma mudança na colocação de voz.
Todos os observadores notaram a diferença – que foi objecto de múltiplos comentários.
A verdade é que, a pouco e pouco, o hábito foi fazendo o monge – e a certa altura o “Paulo Portas governante” e o “Paulo Portas individuo” confundiam-se, a ponto de ninguém distinguir um do outro.
Com Pedro Santana Lopes sucedeu exactamente o oposto.
Em vez de se meter na pele do governante, Santana tentou que o governante se metesse na sua pele. Engoliu-o Continuou a ter o comportamento que tinha antes, a fazer as mesmas coisas, a manter os mesmos hábitos, a encarar a vida do mesmo modo.
Deve dizer-se que esse é o lado mais atraente de Santana Lopes: ser ele próprio em todas as circunstâncias e levar a vida com ligeireza.
Só que, de todos os cargos da política portuguesa, o de primeiro-ministro é o mais exigente.
Ao querer adaptá-lo à sua forma de estar, Santana Lopes retirou-lhe toda a respeitabilidade e traçou o seu próprio destino». José António Saraiva; Expresso de 22/01/05.

Este é um processo que necessita de uma adaptação mútua entre o candidato e a mensagem que se pretende transmitir. É um casamento que tem de ser perfeito.

“Preparar o candidato não significa procurar ensinar-lhe coisas a respeito das quais conhece bem e já tem pontos de vista formados. Trata-se, isto sim, de proceder a um ajustamento entre a sua personalidade, suas ideias, objectivos políticos e administrativos e a linguagem a ser adoptada nas comunicações aos eleitores, adequando o conjunto à plataforma política final (…) o candidato deverá ser preparado para a linguagem, o processo de comunicação que deve ter com os eleitores. Em todos os níveis, portanto desde a comunicação factual, publicitária, até os contactos com os grupos representativos do seu eleitorado e os próprios eleitores, passando pela cobertura da imprensa, reuniões, comícios, encontros, entrevistas, etc., a imagem de personalidade do candidato deve obedecer a parâmetros uniformes, valorizando a credibilidade em seus planos de acção, em sua plataforma eleitoral (…) Trata-se pois, na verdade, não de preparar um candidato mas, sim, de fazer com que este seja visto sob a óptica do político em acção política”. - “A Cartilha da Eleição” - Manual do PDS ( Partido Democrático Social ), Brasil.

Nas palavras de Edson Athayde ao Público de 5 de Julho de 1999: “Construir a imagem de um político é impossível, explica. «Pode ir conseguindo convencer as pessoas um dia, outro dia, mas chega a altura em que o olhar trai, alguma coisa não convence, soa a falso. A imagem do engenheiro Guterres é a dele, enquanto for a dele está óptima»”.
Roger Ailes, que foi um dos principais conselheiros de Ronald Reagan conta a sua surpresa quando assistiu a um encontro do candidato republicano com os assessores de imagem. Estes queriam obrigar Reagan a assumir uma postura que não tinha nada a ver com ele e tudo soava a falso. Quando Ailes assumiu o papel de conselheiro alterou completamente esta postura e apostou na valorização de uma das principais características de Ronald Reagan: «ele era um excelente comunicador». Ele próprio era «a mensagem», o trabalho a fazer era valorizar esta característica deixando-o assumir uma postura natural e preparar apenas a argumentação que Reagan poderia utilizar.

Com o crescente efeito da personalização da política em Portugal, este tem sido também o caminho percorrido pela maior parte das organizações políticas. Procuram centrar a mensagem nos atributos que estão directamente associados à imagem do líder.
Os valores pessoais, as crenças sobre o sistema político, o seu passado e da organização política que lidera (o que por vezes implica alterar a imagem do partido), a forma como reagiu numa situação difícil... são sinais importantes para o eleitorado e até determinantes para estabelecerem juízos de valor, afectos e a escolha na hora do voto.

Para aferir a «imagem» do líder, as características negativas e positivas, recorre-se a estudos de opinião. Numa primeira fase é um trabalho qualitativo, para se saber a percepção do eleitorado sobre o candidato - aquilo que ele é, o que gostariam que fosse e o que esperam dele.

Numa segunda fase, depois de trabalhadas as conclusões do estudo qualitativo e lançadas as pistas que podem ser seguidas, passa-se para um estudo quantitativo.
Conclusões de um estudo – qualitativo e quantitativo - realizado em 1999 onde se «afere» a imagem de António Guterres e Durão Barroso:

Foto A. Guterres: Foto Durão B. Durão B. - negativos

Vantagem de A Guterres (1)

Conclusões de um outro estudo, anterior, quando estava a ser preparada a AD de Marcelo Rebelo de Sousa e Paulo Portas:
«António Guterres / Marcelo Rebelo Sousa:

1. Atributos mais valorizados:

2. Atributos menos valorizados:

Vantagem na comparação:

Estes dados servem, em primeiro lugar, para se perceber qual a leitura do eleitorado em relação aos líderes políticos.
Traçados os «perfis», o passado seguinte é avaliar quais os atributos positivos do líder que devem ser valorizados e quais as características negativas do adversário que devem também ser realçadas. Um outro dado que é avaliado é se é possível alterar este perfil, através de iniciativas ou mudanças na postura. No fundo, é procurar atingir o «perfil desejado» pelo eleitorado, pelo menos em alguns atributos considerados vitais.

É em função do perfil actual e do perfil que pretende alcançar que o líder norteia a sua acção política e o modo como se apresenta ao eleitorado.
O processo mais recorrente é começar por estabelecer um conjunto de compromissos perante o eleitorado.
É um parágrafo com uma linguagem clara e com um conteúdo adequado às expectativas do eleitorado.
Numa situação normal, «o líder apresenta-se perante o eleitor no estilo do “homem comum”, para que a massa dos eleitores se possa identificar com ele. Existe outro tipo de “imagem” mais adequada em épocas de crise. Trata-se do líder pai da nação, no qual se confia e se entrega a tutela dos demais». (1)

Numa fase posterior, esses compromissos são desenvolvidos e assumidos de uma forma frontal com o eleitorado.
Basicamente o jogo consiste na seguinte regra: o eleitorado ao votar num político delega nele determinadas responsabilidades. Para conseguir esta delegação de poderes, o político tem de ser merecedor de confiança, competente, honesto... Pode não o ser, mas tem de o parecer. Tem de dar sinais que é competente, que tem capacidades para assumir as responsabilidades do cargo, que não vai esquecer quem o elegeu e mantém a palavra dada....
Para alcançar alguns destes atributos, o político tem de saber do que fala, não cometer erros e, antes de mais, incutir entusiasmo e confiança.
Um líder tem de evidenciar ambição e confiança de que vai atingir o objectivo.
Esta característica é fundamental para poder mobilizar, logo numa primeira fase, os seus apoiantes. Fernando Lima sobre Cavaco Silva: “era importante que os portugueses compreendessem que o País tinha um rumo e que ele, à primeira dificuldade, não mudava de agulha. Procurava, com a força das suas convicções, transmitir esperança e ambição”.
Para alcançar esta projecção de confiança, um dos recursos mais frequentes é estabelecer objectivos a curto prazo que sejam realizáveis.
Alicerçada esta imagem, partem então para outro patamar, com metas estabelecidas a médio e longo prazo.

Todos estes elementos são importantes na implementação de uma política de comunicação, mas há precauções a tomar antes de se avançar com as iniciativas e sair para o terreno.
Um líder político é alguém que está a ser observado em permanência pelos eleitores e pela comunicação social. Um dirigente político está frequentemente sob a mira dos adversários e sujeito a desafios permanentes, quer dos outros partidos, quer da comunicação social, como também dos próprios apoiantes. A pressão é tão grande, que é necessário estofo e preparação adequada para ultrapassar essas dificuldades.

“Numa campanha eleitoral, os líderes estão tão expostos que a verdade vem sempre ao de cima, há um “striptease” público que mostra tudo, o melhor que se pode fazer é ajudá-los a estar bem, dar-lhes conselhos básicos que qualquer pessoa sabe dar” - Manuel Maltez, director-geral da BBDO Portugal que trabalhou para o PSD nas eleições europeias e legislativas de 1999, em declarações ao Público de 6 Julho de 1999.

É tendo em conta estes factores que, previamente, é feito um trabalho de “laboratório” para tirar melhor partido da exposição pública. Como se comportar perante as câmaras de televisão, como falar através de um microfone, que tiques devem ser evitados, o melhor aproveitamento da voz, que técnicas devem ser usadas em situações como entrevistas (2), debates, contacto com eleitorado, avaliação da situação em que se pode tirar melhor partido (pequenos grupos, comícios, contactos de rua, participação nos media …).
Os resultados de todo este trabalho é depois tido em conta no planeamento da política de comunicação.
O próprio candidato deverá ter confiança em todos os passos que está a dar. Confiança em si próprio e confiança na sua equipa. Só assim conseguirá ter um norte e resistir à má-língua, à intriga, a conselhos, dicas de leigos, por mais próximos que lhe sejam.
Em algumas circunstâncias (essencialmente quando o líder não é muito conhecido) o trabalho prévio chega ao ponto de escolher qual o nome que deve constar em toda a comunicação. (O nome não é grande, tem de ficar no ouvido e quando o apelido é banal, mais importante se torna o primeiro nome.)

Com o objectivo de acentuar a imagem de competência, honestidade, prestígio e o estatuto que já adquiriram (sinais indutores de confiança), os líderes recorrem também a iniciativas onde se tentam «colar» a figuras internacionais. Exemplos não faltam - reuniões, encontros com dirigentes políticos internacionais; participação em encontros internacionais e nacionais de grande prestígio; convites a personalidades importantes; publicação de livros… mesmo sobre matérias que nada têm a ver com a actividade política. Os livros foram o forte na campanha eleitoral das Europeias de 1999, com Pacheco Pereira a ter grande visibilidade mediática devido à biografia de Álvaro Cunhal. Quanto aos encontros internacionais dois exemplos: o empenho de António Guterres, antes das legislativas de 1995, em encontrar-se com Helmut Khol – “(…) na mente dos dirigentes socialistas, sobretudo daqueles que dirigem a campanha, estão as vantagens eleitorais que poderão tirar da audiência com o democrata cristão, Khol. Acham mesmo que, «se o PS não tivesse hipóteses de ganhar, Khol não o receberia…»” – Público 21/08/95.
O outro exemplo tem a ver com Durão Barroso que, mal foi eleito líder do PSD, teve uma audiência com o chefe do governo espanhol, José Maria Aznar.
Ainda na fase de pré-campanha um dos principais objectivos de Durão Barroso na visita ao Brasil foi a “foto” com Fernando Henrique Cardoso.

Se estas oportunidades forem devidamente aproveitadas, o candidato não dá o tempo por perdido… “ Penso que posso dizer, como uma das testemunhas directas, que o Prof. Cavaco conseguiu grande projecção internacional, expressa não só através de inúmeros artigos de órgãos de comunicação social de renome mas, também, pelas referências elogiosas de muitas personalidades conhecidas e pelos prémios de prestígio que lhe foram atribuídos” - Fernando Lima.

São muitas as oportunidades que um líder político tem ao seu dispor para projectar a sua imagem. Muitas pessoas estão convencidas que é uma actividade aliciante, para não dizer, deslumbrante. No entanto, há uma faceta que habitualmente é ofuscada. É uma actividade muito exigente, dá muito trabalho e por vezes implica muita paciência.
Não é fácil e exige uma grande preparação ter de «dar a cara» em situações difíceis e de grande tensão, até mesmo do ponto de vista pessoal. Na noite em que morreram ter soldados portugueses na Bósnia, António Vitorino teve de «cerrar os lábios» e fazer uma declaração que as televisões transmitiram em directo. Terminada a intervenção, já nos bastidores, não aguentou e surgiram as lágrimas.
António Guterres conseguiu ofuscar na sua actividade pública como Primeiro-ministro os difíceis momentos que passou com a doença da sua mulher, durante semanas.
Ferro Rodrigues andou, infundadamente, a ser envolvido no escândalo Casa Pia e, durante algumas semanas, conversas particulares que teve (por exemplo com a filha) sem qualquer significado com o caso, foram relatadas na comunicação social. E tinha de aparecer em público, nas actividades de secretário-geral do PS, contendo a sua revolta e amargura pelo que lhe estavam a fazer. Falava de temas que tinham a ver com os objectivos políticos e os jornalistas só lhe faziam perguntas sobre o caso Casa Pia. Apesar destas dificuldades, não baixou os braços mas, nos bastidores, quem ouvia os seus desabafos, percebia que levava o esforço quase ao limite para cumprir a sua tarefa.
Para se ser um bom líder é vital ser um bom comunicador. Mas não é tudo. A exposição pública é de tal forma grande que, se falhar uma das partes, falha tudo.


Ver ainda: Fale para todos como se falasse para cada um

 

(1) Mario Herreros Arconada; Teoria e técnica da Propaganda eleitoral; Coleccion Comunicación y relaciones públicas; PPU, Barcelona, 1989

(2) Só para dar um exemplo (da autoria de Roger Ailes) de uma técnica que pode revelar uma faceta pessoal: a técnica consiste em ajustar o tom de voz e as expressões gestuais à forma como foi feita a pergunta. Se o jornalista faz a pergunta num estilo agressivo, hostil, o candidato deve responder com calma, de uma forma suave. Através desta técnica consegue evidenciar que controla as emoções e não se deixa influenciar pelas dificuldades que lhe são criadas.