Como despertar o interesse dos jornalistas para que façam a cobertura de uma iniciativa e a edição do material captado? Esta é uma pergunta frequente em todos os directórios políticos, da administração pública, sindicatos, grupos de pressão….
A resposta a esta pergunta é a criação de cenários que cativem a atenção dos media. São os chamados «pseudo-acontecimentos» que, segundo Daniel Boorstin, citado por Brian McNair (1), têm as seguintes características: «não são espontâneos; foram planeados; são criados para serem reportados ou reproduzidos e são concebidos em função dos interesses dos media media; o seu sucesso mede-se pela amplitude da sua cobertura; a sua relação com a realidade subjacente à situação é ambígua e, geralmente, visam a autopromoção.»
Um número significativo de histórias relatadas na comunicação social são «pseudo-acontecimentos» e muito do esforço dos gabinetes de comunicação é preparar estes eventos.
Os próprios jornalistas já manifestam algum desconforto por estarem de forma quase permanente a trabalhar este tipo de acontecimentos. Curiosamente, segundo conta ainda Daniel Boorstin, o «pseudo-acontecimento» tem origem na própria comunicação social que precisava de notícias para manter as impressoras todos os dias em actividade. A pressão aumentou com o surgimento das televisões e hoje são os jornalistas que se queixam de só fazerem trabalhos de «agenda» e de se limitarem a servir de «pé de microfone», porque o trabalho diário é reportar conferências de imprensa e acontecimentos semelhantes preparados pelas estruturas de comunicação das várias organizações.
«Durante os períodos turbulentos o acontecimento cria as ocasiões e força a atenção, porque ele comporta o inesperado ou inquietante. Durante os períodos mais calmos, pseudo-acontecimentos fabricados servirão para alcançar os mesmos resultados.
Na sociedade dos media, a acção política alimenta-se do acontecimento, é o motor das dramatizações que a constituem e mantêm.» - Georges Balandier
Para a criação destes cenários, por vezes, nem se exige grande imaginação. Basta tentar aproveitar uma oportunidade. Por vezes é muito simples: dia 8 de Março de 2003, Dia Internacional da Mulher. O então Presidente da República teve um encontro com mulheres imigrantes, no decorrer de uma Presidência Aberta dedicada à imigração. Por sua vez, O primeiro-ministro almoçou com meia centena de mulheres polícia. Os dois «acontecimentos» tiveram uma boa cobertura dos media.
Outros exemplos simples: se o Parlamento discute uma matéria ou o Governo vai anunciar uma medida, perante esta oportunidade, antecipa-se uma conferência de imprensa; visita-se um local simbólico alusivo ao mesmo tema e expõe-se situações de casos concretos; vai-se à porta do Parlamento ou de um ministério; divulga-se um relatório ou um estudo…
No final de Outubro de 2003 reuniu-se a Comissão Política do PS, «uma reunião decisiva» para a liderança de Ferro Rodrigues, conforme era referido na comunicação social. O encontro foi antecipado de um debate nos media, sobre a necessidade de o PS realizar um congresso extraordinário devido ao caso Casa Pia. Nestes dias, Manuel Maria Carrilho esteve silencioso. No dia da reunião, a manchete do DN era uma carta de Carrilho a distanciar-se da liderança de Ferro Rodrigues. As rádios passaram nos noticiários da manhã alguns excertos do documento. A meio da manhã reuniu-se o Grupo Parlamentar do PS e Carrilho esteve presente mas não precisou de falar porque a carta divulgada pelo DN estava presente nas perguntas dos jornalistas aos outros deputados. Os jornais televisivos da hora de almoço deram também largo destaque a Carrilho. À noite, nos directos das televisões, a carta de Carrilho foi referida em todas as intervenções dos jornalistas. Na própria Comissão Política o documento foi analisado. O «número» foi feito antes e pelo facto de ter sido divulgado no próprio dia da reunião marcou a jornada informativa nos meios audiovisuais. Condicionou a agenda do PS e colocou Manuel Maria Carrilho no centro da atenção dos media.
Um cenário é, frequentemente, a construção de um “happening”, que desperta a atenção dos jornalistas e, através deles, faz chegar a mensagem ao público.
Quando é bem planeado, não se limita a despertar a atenção dos media. É concebido para maximizar os interesses de quem o organiza. Faz parte de um processo de construção ou consolidação da imagem de quem promove a iniciativa.
Por outro lado, estes pseudo-acontecimentos não têm como fim responder ou lançar reptos aos políticos adversários. Isso é o pretexto. O alvo é o público. A mensagem é dirigida ao eleitorado e o jornalista serve como intermediário.
Como na grande maioria dos casos estes pseudo-acontecimentos são planeados com grande antecedência é possível fazer uma preparação cuidada.
Podem demorar apenas alguns minutos – uma declaração ou conferência de imprensa –,ou vários dias – as Presidências Abertas ou a volta do líder em campanha eleitoral.
Podem ser concebidos quase exclusivamente para as televisões – os congressos dos maiores partidos – ou para a imprensa – uma carta aberta.
Podem viver de um único momento – um discurso - ou são associados a iniciativas desencadeadas por outras entidades – comentários sobre um escândalo que tenha sido descoberto pela investigação judicial.
Podem ser desencadeados para entrar em directo nos telejornais das televisões – começam cerca das 20h – ou a aposta é os noticiários da manhã nas rádios e com desenvolvimento ao longo do dia – começa às 08h e assegura-se a disponibilidade ao longo do dia para outros órgãos de comunicação social.
Em períodos de grande agitação política, quando do planeamento destes «pseudo-acontecimentos», é igualmente avaliada a capacidade de resposta dos adversários. São estudados os melhores processos para minimizar os efeitos das iniciativas dos oponentes.
Nas acções que se prolongam por algum tempo são introduzidos dados novos que possam constituir interesse permanente para o público, O tema central da mensagem é o mesmo. Pode variar o emissor, o canal, a forma da mensagem, mas o tema permanece.
Por vezes, até são complementares os vários cenários:
a) numa conferência de imprensa divulga-se alguns documentos;
b) a actividade do líder nesse dia incide numa acção dedicada ao mesmo tema onde pode revelar mais pormenores;
c) outros dirigentes prestam declarações ou participam em iniciativas alusivas à mesma temática (p. ex. um requerimento na Assembleia da República);
d) incentivam-se outras organizações ou entidades a manifestarem-se;
e) provoca-se o adversário com desafios, reptos….
Um exemplo: no dia 16 de Fevereiro de 1998, numa segunda-feira, o PSD lançou a ofensiva da ausência de concursos públicos na administração pública - 1700 pessoas entraram sem concurso, segundo as histórias publicadas em vários órgãos de comunicação social logo pela manhã. Ao longo do dia, vários dirigentes do PSD comentaram as reacções dos membros do governo. Na terça-feira Marcelo Rebelo de Sousa falou da possibilidade de ser apresentada queixa na Procuradoria-geral da República e, no jornal Público, a deputada Manuela Ferreira Leite escrevia um artigo de opinião sobre esta questão. No mesmo dia, o PSD afirmou ir pedir um agendamento na Assembleia da República sobre o mesmo tema. No dia seguinte um deputado do PSD fez uma intervenção no Parlamento adiantando que o governo já tinha feito seis mil nomeações. Através deste processo, o PSD conseguiu manter o mesmo tema na agenda dos media durante, pelo menos, três dias. O PSD mostrou empenho e provocou uma situação de desgaste no governo.
Sempre que possível, e essencialmente em campanha eleitoral, é feita a articulação destes cenários com a mensagem que é difundida a nível regional. Todos falam a “uma só voz” e a mensagem ganha eco em todo o país.
“Na segunda semana de Setembro começam os comícios diários com os cabeças de lista e a volta do líder pelo país.«Apostaremos na cenografia da própria campanha, articulando as voltas dos cabeças de lista com a volta de Paulo Portas, de forma a criar uma vaga de repetição, para que os efeitos se multipliquem»”. Esta foi a estratégia do PP nas legislativas de 1999, e explicada ao Público de 5 de Julho de 1999 por Jorge Alves da Silva, na altura o responsável pela imagem do CDS/PP.
Um dos melhores exemplos foi a candidatura de Bill Clinton em 92. Todas os dias as estruturas regionais e locais eram informadas do tema e do discurso que o candidato ia utilizar. Estas estruturas adaptavam esse tema às questões locais e regionais, preparavam um conjunto de iniciativas e lançavam o material para os media. O resultado era Clinton ver repercutida a sua mensagem, praticamente por todo o país e espalhada por milhares de apoiantes.
Um outro exemplo: nas eleições de 1993 em Espanha, todos os dias, antes das 11h, a Esquerda Unida enviava para todos os candidatos um fax com as linhas fortes da mensagem a difundir nesse dia.
Em muitas circunstâncias a produção destes pseudo-acontecimentos exige equipas muito grandes, profissionais e orçamentos elevados. O efeito que se quer atingir só é possível nestas condições.
Algumas iniciativas, como por exemplo convenções partidárias e deslocações de chefes de governo ou do Presidente, exigem muito trabalho prévio e uma equipa profissional que planeia quase todos os passos.
Ainda estamos longe do que se faz, por exemplo, nos Estados Unidos da América, mas a tendência vai nesse sentido, pelo menos no que se refere aos dois maiores partidos e ao governo e Presidência da República. O que se faz nos EUA, em muitos aspectos, revela como ainda estamos num patamar muito amador.
“Em plena guerra do Vietname, a marinha dos Estados Unidos criou uma escola de elite para os chamados melhores pilotos de caça, para apenas um por cento dos melhores. Esses pilotos passaram a chamar-se Top Gun.
Disto fez-se um filme com Tom Cruise.
Foi inspirado neste filme que os assessores de George Bush – filho – o levaram a aterrar a bordo de um caça na pista do porta-aviões USS Abraham Lincoln, ao largo de San Diego, no princípio de Maio de 2003.
Vestido de Tom Cruise, quando este se veste de piloto de caça, Bush abraçou-se aos verdadeiros pilotos, escolhidos especialmente para a recepção ao Presidente. O mesmo equipamento para reforçar a ideia de pertença ao restrito universo Top Gun, um casting atento para que nenhum grupo racial fosse esquecido nas imagens a produzir e a obrigatoriedade de que nenhum dos intervenientes fosse mais alto que o protagonista.
Fez-se filmar e fotografar, sorridente, e entrou nos seus aposentos para mudar de roupa. Vestiu um fato escuro, camisa branca e gravata vermelha. O clássico.
E esperou. Esperou que lhe viessem dizer que tinha chegado o momento de voltar a descer a pista, dirigir-se a um palco aí instalado e iniciar o discurso em que anunciava o fim – pensava ele – das hostilidades no Iraque. O fim da operação choque e espanto. Atrás dele num enorme telão podia ver-se “Missão Cumprida”. (…)
Esta encenação terá sido uma das mais caras na história da comunicação. Um milhão de dólares para deslocar um porta-aviões com o nome de um dos fundadores da nação americana – tripulação e comunicação social. (…)
O correspondente do New York Times falou de uma equipa de especialistas para criar um cenário, uma coreografia, uns adereços e um texto pensado para que a eficácia fosse máxima (…)
À mesma hora, em Indianápolis, sete mil pessoas assistiam pela televisão ao discurso do presidente. A ideia era filmar a assistência local para depois editar e emitir mais tarde.” - Henrique Cayatte; Revista EGOÍSTA; Dezembro 2003
Se a imagem que existe é dos políticos tentarem a todo o custo promover-se através dos media, por vezes o efeito é o contrário - são os media que “apanham” os políticos. Alguns, mais inexperientes, sentem-se “no fim do mundo” fora dos centros urbanos, longe dos jornalistas, e perante tal “liberdade” recorrem a gracejos e posturas que podem ferir susceptibilidades. Há, no entanto, sempre alguém que pode contar a outras pessoas, pode haver um jornalista no meio da assistência…
Foi assim que em 1991, o então ministro do Ambiente, Carlos Borrego, foi obrigado a sair do governo, depois de ter contado uma anedota sobre o alumínio nos alentejanos (anedota alusiva ao caso de hemodiálises de Évora em que morreram 20 pessoas). O resultado foi a sua demissão.
Em outras situações, porque não se resguardam, os políticos acabam por «danificar» a sua imagem ou «desbaratar» os objectivos. Um exemplo: António Guterres foi algumas vezes criticado no seu “inner-circle” por responder sempre às perguntas dos jornalistas. Guterres falava sobre temas que, em princípio, cabia aos ministros responder, e em muitos casos era criticado por não «saber gerir o silêncio». Também criticada era a forma como Guterres se tentava esquivar às perguntas - «Muito obrigado. Boa Tarde», virava as costas para as câmaras de televisão - e após a insistência de um jornalista, acabava por se voltar e responder. Para um primeiro-ministro que era acusado de falta de autoridade e de indecisão, esta postura reforçava a imagem que os adversários políticos tentavam explorar.
(1) Introduction to Political Communication;Brian McNair; Routledge; Londres; segunda edição, 1999