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Comunicação Política

Comunicação Política

12
Mai13

2.10 A relação com os jornalistas

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A relação com os órgãos de comunicação social e especialmente com os jornalistas assume um papel vital e, segundo a experiência de Fernando Lima, também uma fatalidade: “há uma evidência que importa reter: quem está no poder dificilmente poderá fugir à conflitualidade com os «media», por mais artifícios que procure criar para continuar nas suas boas graças”.


O jogo da sedução parece não ter assim um efeito prolongado com os jornalistas. As adversidades poderão surgir com o desgaste de quem exerce o poder. No entanto, este relacionamento pode ser relativamente estável e sério, se algumas regras forem cumpridas.

As regras do jogo:


Embora nem sempre seja respeitada, muitos políticos sabem que a primeira regra é nunca mentir a um jornalista. Na sequência dessa mentira, o jornalista pode também enganar os leitores/ouvintes/espectadores, e com isso pôr em causa um dos pontos chave de qualquer órgão de comunicação social - a credibilidade. A posição do jornalista, no seio da Redacção, também pode ficar em causa e, em alguns casos, colocar em risco o seu emprego.


Por outro lado, se o jornalista percebe que foi enganado, nunca mais terá confiança em quem lhe mentiu. Habitualmente, o circuito do jornalismo é reduzido e muito fechado, e como tal propício a que esse jornalista possa fazer alastrar a outros colegas a informação de que foi enganado e por quem.


A segunda regra é cada um entender o seu papel. Independentemente das eventuais relações de amizade, a função do jornalista é obter dados para construir uma história. O melhor é haver uma relação leal e frontal.


Os políticos mais experientes sabem que, quando não se pode falar - é isso mesmo que devem dizer: «sobre essa matéria não me pronuncio». Outra possibilidade a que recorrem é prestar informações que não podem ser usadas, mas salientam, sempre, que são declarações em “off”. Se não querem ser citados, a regra é a mesma - antes de dizerem, seja o que for, referem explicitamente que não querem ser citados. Se há dúvidas sobre os dados que estão a ser comunicados, transmitem isso aos jornalistas. Com este comportamento, os jornalistas sabem que um determinado político pode não ser uma fonte regular de informação, mas seguramente, ficam mais confiantes na veracidade da informação que lhes está a ser prestada. Este é um dado essencial para ambas as partes.


No relacionamento com os jornalistas é habitual ver alguns políticos muito amáveis e disponíveis. Com este comportamento, procuram uma maior proximidade, evitam uma postura de sobranceria, e alguns jornalistas até se convencem que estão numa situação de paridade.


Nestas situações, os políticos sabem que de nada valem sorrisos artificiais ou posturas de

afirmação de poder. Assumem uma postura o mais natural possível e tentam perceber, exactamente, o que pretende o jornalista. A preocupação é dar respostas claras e deixar no interlocutor a noção de grande confiança do que se está a dizer.


Outra regra importante é nunca colocar em causa o trabalho que o jornalista está a fazer. Por vezes as coisas não correm bem, e nem sempre é por culpa dos políticos, mas caso não esteja a ser violado qualquer compromisso assumido, a regra base é: vale mais não prestar qualquer informação do que aceitar o convite e depois questionar o trabalho que está a ser efectuado. Quando se é solicitado por um jornalista, é definido com ele quais são as regras do jogo. Caso se recuse, o assunto está arrumado. Se é aceite o convite, se aceitam as regras, muitos políticos sabem que é contraproducente pôr em causa o comportamento do jornalista.
Para evitar algumas destas situações, os políticos com uma longa carreira estabelecem contactos preferenciais com alguns jornalistas. Ambas as partes já sabem como se comportam.


Nem sempre as relações com os jornalistas passam por este caminho estreito e formal. Desde que se clarifiquem as regras do jogo, há um largo espaço de diálogo e muitas vezes até de confraternização.


Para se chegar a este estádio, percorre-se um caminho longo, sem pressas e com alguma disponibilidade. Ou seja, são estabelecidos contactos regulares e pessoais com os jornalistas que habitualmente trabalham na mesma área e, por vezes, até contactos informais.


A realização dos encontros informais assume uma importância cada vez maior. Com a especialização crescente por parte dos jornalistas, é habitual que um determinado órgão de comunicação social defina como interlocutor de uma organização política apenas uma ou duas pessoas. Os jornalistas vão trabalhar essencialmente nas matérias relativas a essa área, vão ser observadores atentos e, por isso mesmo, adquirem uma perspectiva crítica superior à do comum dos cidadãos.


Por outro lado, os próprios jornalistas, devido à realização destes contactos frequentes, acabam por dar preferência a estes interlocutores quando precisam de obter ou confirmar uma informação.


Uma outra forma recorrente que propicia esta aproximação e uma maior confiança é - se o jornalista trabalha num órgão cuja audiência interessa atingir – dar-lhe informações relevantes. O jornalista não dá o tempo como perdido e sente-se estimulado a fazer novos contactos.


Esta aproximação e uma relação de confiança cada vez mais sólida permite muitas vezes uma troca de informação mais subjectiva e até influenciar a opinião de cada um dos interlocutores.


No caso dos políticos, esta capacidade de influência tem alguma relevância, porque cada vez mais os jornalistas especializados em política passaram de um discurso “reprodutor” para histórias com uma perspectiva analítica.


Os textos jornalísticos começaram a ter a opinião do seus autores, uma avaliação das acções dos políticos, uma explicação sobre os contornos das tomadas de decisão e os efeitos que se pretendem…

Veja-se a comparação no Diário de Noticias, de duas reportagens de campanha. Uma em Setembro de 1979
“PS não irá disfarçar-se em coligações eleitorais. - quem o afirmou foi Mário Soares”
“«Para que o povo português acredite em nós, no nosso amor pelos trabalhadores e pela democracia, não necessitamos de nos disfarçar em coligações eleitorais» afirmou Mário Soares durante o improviso que proferiu em Pegões Velho, ao sul do Montijo, na festa convívio que ali decorreu ontem” (notícia não assinada)
e outra em Setembro de 1995:
“ Nogueira «bate» Cavaco”
Boa vizinhança, «famílias unidas» e uma pátria «unida»- Ao discurso de Nogueira no maior comício do PSD realizado na baixa do Porto - superando, inclusive, o de Cavaco em 91 - só faltou Deus.” (texto assinado por Miguel Carvalho).


Um outro exemplo, também referente ao Diário de Noticias: em comparação estão uma semana de campanha em 1979, outra em 1985, outra semana de 1995 e, por fim, em 2002.
Em 1979 não aparece um único texto de opinião sobre as actividades dos partidos no decorrer da campanha. Nem sobre os tempos de antena. Nem no último dia de campanha é feito um balanço. O recurso a fotos é muito reduzido e por vezes são fotografias tipo passe (no dia 27/09/79 há uma única foto e é uma fotografia tipo “passe” de Octávio Teixeira). Parte dos textos alusivos à campanha são respostas sobre um inquérito acerca da economia e outro espaço foi reservado aos partidos para reprodução de partes do programa eleitoral. Os títulos de quase todas as notícias são citações de declarações dos políticos.
Em 1985 há um texto de opinião, diário, sobre os tempos de antena e é maior o recurso a ilustrações.


A partir de 1995 a diferença é mais significativa. Em todos os dias da campanha eleitoral houve dois ou mais textos de opinião (além dos comentadores permanentes); o recurso a ilustrações foi muito maior, há mesmo uma página de fait divers e de fotos tipo “apanhados”; e, em 1995, uma manchete com uma montagem de fotos de António Guterres e Fernando Nogueira com o título: “tudo por tudo”. No encerramento das campanhas foi feito um balanço, um levantamento dos casos de cada campanha, as dificuldades… Uma outra diferença significativa é visível na edição de 27/09/95. A manchete e o destaque dessa edição são os potenciais ministros de um governo do PSD e de um governo PS.



Quando o jogo não tem regras:
Nem sempre a relação entre os jornalistas e os políticos tem lugar dentro de regras claras e de respeito mútuo.
Muitos políticos consideram os jornalistas uns «vendidos».
Muitos políticos mentem descaradamente e ainda se vangloriam junto de colegas de terem passado uma «rasteira» aos jornalistas.
Por vezes, chegam ao ponto de espalhar a imagem de que determinado jornalista “é burro porque engole tudo o que lhe dizem” e, o que é mais complicado, em alguns casos até têm razão.


Há quem não respeite os compromissos assumidos, e em outras situações negam o que afirmaram e desmentem a informação veiculada pelo jornalista, apesar de correcta.
Alguns políticos chegam a exercer pressão junto das administrações ou do director de um órgão de comunicação social para afastarem determinado jornalista porque «é muito inconveniente».

Há jornalistas que «andam na cama» com políticos para obterem informação privilegiada. Têm a alcunha de «garganta funda».
Há jornalistas que são moços de recados. Fazem perguntas «encomendadas» a esses políticos ou aos adversários.
Há jornalistas que denunciam colegas por estarem a escrever ou a investigar uma história que pode colidir com os interesses desse político.
Há jornalistas completamente dependentes de meia dúzia de políticos, que para não colocarem em causa estas fontes de informação, manipulam as notícias a fim de ocultar dados negativos sobre esses políticos ou, ao contrário, para os valorizar .
Alguns jornalistas denunciam as fontes de informação junto de um político para o informar de quem anda a «fazer intriga nos jornais» contra ele.


Uma dependência excessiva dos jornalistas em relação a algumas fontes de informação e a pressão das chefias para conseguirem «exclusivos» são outros factores que contribuem para este comportamento.


Há ainda a dependência económica. A troco de algumas promessas de apoio financeiro, alguns responsáveis de órgãos de comunicação social que se encontram numa situação débil transformam-se em braços políticos de organizações ou grupos.


São inúmeros os casos de desrespeito das regras e violação da ética por parte de jornalistas e de quem ocupa cargos políticos relevantes. Muitas vezes estes casos radicam numa formação desajustada, a que se alia o «vale tudo» da luta pela sobrevivência política e profissional.


Para além destes casos (que talvez não constituam a regra na relação entre os políticos e os jornalistas), o próprio dia-a-dia já propicia situações onde há equívocos, distorções e tentativas de manipulação.


Nem sempre estes problemas são ultrapassados de uma forma adequada, e a tendência, por parte de alguns políticos, é culpar os jornalistas do que está a correr mal.

Depois das declarações continuadas dos seus dirigentes contra a cobertura que a comunicação social está a fazer da campanha eleitoral, o «povo do PSD» tem reagido contra a imprensa, às vezes com incursões pautadas por alguma violência. Foi assim com a SIC em Mirandela: aos gritos de «A SIC é mentirosa, é do PS», vários apoiantes do PSD tentaram inviabilizar a gravação, colocando-se à frente da câmara e empurrando os profissionais da estação.(…) Ontem, foi a vez da RTP ser alvo de agressões verbais, que por pouco não passaram disso: na Régua, o repórter da RTP foi insultado com gritos de «vieram filmar isto ou filmar o ministro?». (…) Recorde-se que o PS também se tem insurgido contra a cobertura da campanha por parte da RTP, tendo Narciso Miranda, no passado fim de semana, no Porto, «excitado as massas» contra a televisão estatal.
(…) Os dirigentes partidários, a começar por Fernando Nogueira, contribuem sem dúvida para o estado de excitação popular: o líder do PSD acusou em Aveiro a «mistificação deliberada» da imprensa sobre a campanha; Eurico de Melo afirmou que «toda a comunicação social está contra o PSD» e Luís Filipe Menezes acusou a existência de «editoriais e manchetes feitos de véspera para desestabilizar o PSD
»” Público - Setembro de 1995


 

Outro exemplo: Santana Lopes nas Legislativas de 2005:

 


 


Segundo Ronald Kuntz (1) esta postura de os políticos se virarem contra a comunicação social nem sempre é eficaz. Só piora as coisas, porque, “por uma questão de sobrevivência e por força das características que revestem o «ramo» de actividade, a imprensa desenvolveu um forte esquema de integração, através do qual todos se unem sempre que a instituição estiver sob ameaça, pois é vital e do interesse de todos cultivar a crença no poder da imprensa e preservar a qualquer custo a sua imagem institucional face à opinião pública”.


Em Portugal, embora se verifique ainda esta pressão, ela já não é tão homogénea.
Há mesmo espaço para a discussão, essencialmente nos jornais com a introdução da figura do provedor do leitor. É através de um texto redigido por um destes provedores, Jorge Wemans (Público de 27 Outubro de 1997 - A coluna do provedor do leitor), que se encontra um outro exemplo do efeito nefasto de se pretender transformar o jornalista em bode expiatório. O caso, que teve lugar em 1997, tem a ver com uma acção desencadeada pelo governo, com o então Primeiro-ministro e a Ministra da Saúde a visitarem várias instalações hospitalares e no decorrer do qual foi feito o anúncio de um investimento de 300 milhões de contos. Em reacção, o PSD acusou o governo e a comunicação social de propaganda. Questionada, a jornalista que escreveu a sua história no Público, Bárbara Simões respondeu: “«Primeiro senti uma profunda irritação pela referência no comunicado, à comunicação social “distraída” (…) Nisso o PSD precipitou-se». (…) Hoje a jornalista escreveria o mesmo texto? «Sem dúvida (…)».


Face a estes exemplos, há quem diga que os políticos ficaram reféns da comunicação social. Se protestam, podem provocar uma reacção negativa em determinado órgão de comunicação social ou até corporativa. Se colocam em causa uma notícia, o direito de resposta não tem a mesma projecção do texto em causa.

No entanto, há quem não se amedronte. Em muitas circunstâncias falam com o autor da notícia e tentam esclarecer o equívoco. Habitualmente, quando o jornalista compreende que cometeu um erro, acaba por «reparar» o sucedido. Não necessariamente através de um desmentido mas redigindo um outro texto onde a informação já é veiculada de forma correcta.


Noutros casos, considerados mais graves, alguns políticos desencadeiam fortes reacções através de desmentidos ou com processos em tribunais, mas nem sempre os resultados são satisfatórios. O desmentido passa muitas vezes despercebido e a Justiça é lenta. Mesmo num órgão regulador da comunicação social. Um exemplo: O Diário de Noticias publicou, no início de Agosto de 1996, uma sondagem sobre as eleições regionais nos Açores que mereceu a contestação do Partido Socialista, através de uma queixa que deu entrada na Alta Autoridade no dia 8 de Agosto. A resolução só foi tomada no dia 25 de Setembro. Ou seja, a eventual rectificação de dados publicados, entre a sua publicação e a resolução, demorou quase dois meses, uma infinidade de tempo num período pré-eleitoral, cujos efeitos…


Apesar desta relação entre os jornalistas e os políticos ser controversa e implicar uma discussão pública em momentos agitados, o resultado, na maior parte das vezes, é o descrédito das duas partes.


Por um lado, é frequente a crítica dos políticos aos jornalistas. Por exemplo, num debate sobre a relação entre política e comunicação social, realizado no Porto, em 2000, Rui Rio acusou os jornalistas «de cumprirem cada vez menos». «A comunicação social mata a casa da democracia, a Assembleia da República» e há uma opacidade corporativa que configura «uma situação de censura», há falta de transparência, atropelos à verdade e aos direitos do cidadão - «é muito mais difícil ler um jornal hoje do que antes do 25 de Abril». Outros políticos fizeram declarações no mesmo sentido. Até escreveram livros quase exclusivamente para criticar o comportamento de alguma comunicação social como fez Manuel Maria Carrilho, depois de ser derrotada nas autárquicas de Lisboa em 2005.


Porque os políticos se sentem pressionados, e porque a «imprensa tem-se tornado cada vez mais crítica com os políticos», «as pessoas passaram a ter menos confiança nos líderes e a esperar menos dos políticos».


Mas também os jornalistas, seguindo as palavras do investigador Thomas Patterson, estão a ter a sua confiança abalada. «A história que está escrita é a do declínio da confiança do público nos media, que atravessa os anos 90 nos EUA. A maioria acha que são demasiados críticos, negativos, desrespeitadores, sensacionalistas e opinativos». Esta é uma situação que está a provocar uma perda de influência da comunicação social. «Há doze anos, o caso Irão/«contras» fez a popularidade de Reagan cair quinze pontos em duas semanas. No caso Lewinsky, houve uma queda rápida, de sete a oito pontos, mas depois mudou. Neste sentido, os media são menos influentes hoje junto do público». (2)


Uma última nota, referente ao «alinhamento» dos média numa campanha eleitoral. É frequente haver, dos dois lados, acusações de tentativa de manipulação. Jornalistas que acusam políticos de faltarem à verdade ou propositadamente omitirem informação e políticos que acusam um jornalista ou um meio em particular de não ser isento. Carrilho assim o fez após as autárquicas de 2005 num ataque violento contra alguns jornalistas, órgãos de comunicação social, agências e comentadores. O PP de Paulo Portas fez duras críticas à SIC em 2002 e o PSD criticou a comunicação social em 1995 e voltou a repetir as críticas nas Legislativas de 2005.
«O PSD não poupa esforços na campanha eleitoral. O mais recente produto de marketing é um pequeno livro, intitulado “O fantástico mundo da mentira”, em que o PSD apresenta 18 notícias, que pretende desmontar, e que, segundo o partido de Pedro Santana Lopes, fazem parte “de uma estratégia de alguns órgãos de comunicação social” para “todas as semanas criar uma mentira para desestabilizar“». Público, 02/02/05

De referir ainda que, ao contrário do que se passa noutros países, como os EUA, em Portugal não há a tradição de se declarar o «alinhamento» com um partido político ou uma candidatura. A excepção foi a Capital em 2005 que, em editorial afirmou que se identificava com as propostas do PS.
Capa do CM Na Democracia portuguesa há ainda o caso do apoio «encapotado» do Correio da Manhã à AD num dia de eleições, em 5 de Outubro de 1980, ao fazer uma manchete com dois títulos que permitia a leitura “Votar AD É UM DEVER”.



Os intermediários:
Cada vez mais a relação entre os agentes políticos e os jornalistas é feita através de intermediários: o porta-voz, assessoria de imprensa ou agências de comunicação.


Quase todas as instituições públicas, organizações privadas e grandes empresas têm

gabinetes de imprensa e recorrem a agências de comunicação.
Contactam com jornalistas, preparam eventos ou produzem conteúdos para serem difundidos nos órgãos de comunicação social.


Segundo o Expresso de 20 de Maio de 2006 que cita um estudo da agência Emirec, “cerca de 70% das notícias publicadas nos jornais portugueses têm como origem as agências de informação ou os gabinetes de Imprensa”.


Por vezes a capacidade de influência destas agências é alvo de polémica. Na verdade, é costume oferecem brindes, “prendas de natal”, convites para viagens, “exclusivos” de algumas notícias e acesso a personalidades e encontros internacionais… mas é um enigma até que ponto estas “facilidades e atenções” condicionam o trabalho dos jornalistas. Um exemplo habitual é a quantidade surpreendente de “prendas” que recebem os jornalistas da secção de economia.

 

 

(1) Marketing Político – manual de campanha eleitoral
Ronald A. Kuntz; Global Editora; São Paulo; 1996.
82) Thomas Patterson é investigador e professor em Harvard e fez estas declarações ao DN, edição de 22/04/1998.

12
Mai13

2.2 Criar cenários

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Como despertar o interesse dos jornalistas para que façam a cobertura de uma iniciativa e a edição do material captado? Esta é uma pergunta frequente em todos os directórios políticos, da administração pública, sindicatos, grupos de pressão….
A resposta a esta pergunta é a criação de cenários que cativem a atenção dos media. São os chamados «pseudo-acontecimentos» que, segundo Daniel Boorstin, citado por Brian McNair (1), têm as seguintes características: «não são espontâneos; foram planeados; são criados para serem reportados ou reproduzidos e são concebidos em função dos interesses dos media media; o seu sucesso mede-se pela amplitude da sua cobertura; a sua relação com a realidade subjacente à situação é ambígua e, geralmente, visam a autopromoção.»

Um número significativo de histórias relatadas na comunicação social são «pseudo-acontecimentos» e muito do esforço dos gabinetes de comunicação é preparar estes eventos.
Os próprios jornalistas já manifestam algum desconforto por estarem de forma quase permanente a trabalhar este tipo de acontecimentos. Curiosamente, segundo conta ainda Daniel Boorstin, o «pseudo-acontecimento» tem origem na própria comunicação social que precisava de notícias para manter as impressoras todos os dias em actividade. A pressão aumentou com o surgimento das televisões e hoje são os jornalistas que se queixam de só fazerem trabalhos de «agenda» e de se limitarem a servir de «pé de microfone», porque o trabalho diário é reportar conferências de imprensa e acontecimentos semelhantes preparados pelas estruturas de comunicação das várias organizações.

«Durante os períodos turbulentos o acontecimento cria as ocasiões e força a atenção, porque ele comporta o inesperado ou inquietante. Durante os períodos mais calmos, pseudo-acontecimentos fabricados servirão para alcançar os mesmos resultados.
Na sociedade dos media, a acção política alimenta-se do acontecimento, é o motor das dramatizações que a constituem e mantêm.
» - Georges Balandier

Para a criação destes cenários, por vezes, nem se exige grande imaginação. Basta tentar aproveitar uma oportunidade. Por vezes é muito simples: dia 8 de Março de 2003, Dia Internacional da Mulher. O então Presidente da República teve um encontro com mulheres imigrantes, no decorrer de uma Presidência Aberta dedicada à imigração. Por sua vez, O primeiro-ministro almoçou com meia centena de mulheres polícia. Os dois «acontecimentos» tiveram uma boa cobertura dos media.

Outros exemplos simples: se o Parlamento discute uma matéria ou o Governo vai anunciar uma medida, perante esta oportunidade, antecipa-se uma conferência de imprensa; visita-se um local simbólico alusivo ao mesmo tema e expõe-se situações de casos concretos; vai-se à porta do Parlamento ou de um ministério; divulga-se um relatório ou um estudo…
No final de Outubro de 2003 reuniu-se a Comissão Política do PS, «uma reunião decisiva» para a liderança de Ferro Rodrigues, conforme era referido na comunicação social. O encontro foi antecipado de um debate nos media, sobre a necessidade de o PS realizar um congresso extraordinário devido ao caso Casa Pia. Nestes dias, Manuel Maria Carrilho esteve silencioso. No dia da reunião, a manchete do DN era uma carta de Carrilho a distanciar-se da liderança de Ferro Rodrigues. As rádios passaram nos noticiários da manhã alguns excertos do documento. A meio da manhã reuniu-se o Grupo Parlamentar do PS e Carrilho esteve presente mas não precisou de falar porque a carta divulgada pelo DN estava presente nas perguntas dos jornalistas aos outros deputados. Os jornais televisivos da hora de almoço deram também largo destaque a Carrilho. À noite, nos directos das televisões, a carta de Carrilho foi referida em todas as intervenções dos jornalistas. Na própria Comissão Política o documento foi analisado. O «número» foi feito antes e pelo facto de ter sido divulgado no próprio dia da reunião marcou a jornada informativa nos meios audiovisuais. Condicionou a agenda do PS e colocou Manuel Maria Carrilho no centro da atenção dos media.

Um cenário é, frequentemente, a construção de um “happening”, que desperta a atenção dos jornalistas e, através deles, faz chegar a mensagem ao público.
Quando é bem planeado, não se limita a despertar a atenção dos media. É concebido para maximizar os interesses de quem o organiza. Faz parte de um processo de construção ou consolidação da imagem de quem promove a iniciativa.
Por outro lado, estes pseudo-acontecimentos não têm como fim responder ou lançar reptos aos políticos adversários. Isso é o pretexto. O alvo é o público. A mensagem é dirigida ao eleitorado e o jornalista serve como intermediário.

Como na grande maioria dos casos estes pseudo-acontecimentos são planeados com grande antecedência é possível fazer uma preparação cuidada.

Podem demorar apenas alguns minutos – uma declaração ou conferência de imprensa –,ou vários dias – as Presidências Abertas ou a volta do líder em campanha eleitoral.

Podem ser concebidos quase exclusivamente para as televisões – os congressos dos maiores partidos – ou para a imprensa – uma carta aberta.

Podem viver de um único momento – um discurso - ou são associados a iniciativas desencadeadas por outras entidades – comentários sobre um escândalo que tenha sido descoberto pela investigação judicial.

Podem ser desencadeados para entrar em directo nos telejornais das televisões – começam cerca das 20h – ou a aposta é os noticiários da manhã nas rádios e com desenvolvimento ao longo do dia – começa às 08h e assegura-se a disponibilidade ao longo do dia para outros órgãos de comunicação social.

Em períodos de grande agitação política, quando do planeamento destes «pseudo-acontecimentos», é igualmente avaliada a capacidade de resposta dos adversários. São estudados os melhores processos para minimizar os efeitos das iniciativas dos oponentes.
Nas acções que se prolongam por algum tempo são introduzidos dados novos que possam constituir interesse permanente para o público, O tema central da mensagem é o mesmo. Pode variar o emissor, o canal, a forma da mensagem, mas o tema permanece.
Por vezes, até são complementares os vários cenários:
a) numa conferência de imprensa divulga-se alguns documentos;
b) a actividade do líder nesse dia incide numa acção dedicada ao mesmo tema onde pode revelar mais pormenores;
c) outros dirigentes prestam declarações ou participam em iniciativas alusivas à mesma temática (p. ex. um requerimento na Assembleia da República);
d) incentivam-se outras organizações ou entidades a manifestarem-se;
e) provoca-se o adversário com desafios, reptos….
Um exemplo: no dia 16 de Fevereiro de 1998, numa segunda-feira, o PSD lançou a ofensiva da ausência de concursos públicos na administração pública - 1700 pessoas entraram sem concurso, segundo as histórias publicadas em vários órgãos de comunicação social logo pela manhã. Ao longo do dia, vários dirigentes do PSD comentaram as reacções dos membros do governo. Na terça-feira Marcelo Rebelo de Sousa falou da possibilidade de ser apresentada queixa na Procuradoria-geral da República e, no jornal Público, a deputada Manuela Ferreira Leite escrevia um artigo de opinião sobre esta questão. No mesmo dia, o PSD afirmou ir pedir um agendamento na Assembleia da República sobre o mesmo tema. No dia seguinte um deputado do PSD fez uma intervenção no Parlamento adiantando que o governo já tinha feito seis mil nomeações. Através deste processo, o PSD conseguiu manter o mesmo tema na agenda dos media durante, pelo menos, três dias. O PSD mostrou empenho e provocou uma situação de desgaste no governo.

Sempre que possível, e essencialmente em campanha eleitoral, é feita a articulação destes cenários com a mensagem que é difundida a nível regional. Todos falam a “uma só voz” e a mensagem ganha eco em todo o país.

Na segunda semana de Setembro começam os comícios diários com os cabeças de lista e a volta do líder pelo país.«Apostaremos na cenografia da própria campanha, articulando as voltas dos cabeças de lista com a volta de Paulo Portas, de forma a criar uma vaga de repetição, para que os efeitos se multipliquem»”. Esta foi a estratégia do PP nas legislativas de 1999, e explicada ao Público de 5 de Julho de 1999 por Jorge Alves da Silva, na altura o responsável pela imagem do CDS/PP.

Um dos melhores exemplos foi a candidatura de Bill Clinton em 92. Todas os dias as estruturas regionais e locais eram informadas do tema e do discurso que o candidato ia utilizar. Estas estruturas adaptavam esse tema às questões locais e regionais, preparavam um conjunto de iniciativas e lançavam o material para os media. O resultado era Clinton ver repercutida a sua mensagem, praticamente por todo o país e espalhada por milhares de apoiantes.
Um outro exemplo: nas eleições de 1993 em Espanha, todos os dias, antes das 11h, a Esquerda Unida enviava para todos os candidatos um fax com as linhas fortes da mensagem a difundir nesse dia.

Em muitas circunstâncias a produção destes pseudo-acontecimentos exige equipas muito grandes, profissionais e orçamentos elevados. O efeito que se quer atingir só é possível nestas condições.
Algumas iniciativas, como por exemplo convenções partidárias e deslocações de chefes de governo ou do Presidente, exigem muito trabalho prévio e uma equipa profissional que planeia quase todos os passos.
Ainda estamos longe do que se faz, por exemplo, nos Estados Unidos da América, mas a tendência vai nesse sentido, pelo menos no que se refere aos dois maiores partidos e ao governo e Presidência da República. O que se faz nos EUA, em muitos aspectos, revela como ainda estamos num patamar muito amador.

Em plena guerra do Vietname, a marinha dos Estados Unidos criou uma escola de elite para os chamados melhores pilotos de caça, para apenas um por cento dos melhores. Esses pilotos passaram a chamar-se Top Gun.
Disto fez-se um filme com Tom Cruise.
Foi inspirado neste filme que os assessores de George Bush – filho – o levaram a aterrar a bordo de um caça na pista do porta-aviões USS Abraham Lincoln, ao largo de San Diego, no princípio de Maio de 2003.

Vestido de Tom Cruise, quando este se veste de piloto de caça, Bush abraçou-se aos verdadeiros pilotos, escolhidos especialmente para a recepção ao Presidente. O mesmo equipamento para reforçar a ideia de pertença ao restrito universo Top Gun, um casting atento para que nenhum grupo racial fosse esquecido nas imagens a produzir e a obrigatoriedade de que nenhum dos intervenientes fosse mais alto que o protagonista.
Fez-se filmar e fotografar, sorridente, e entrou nos seus aposentos para mudar de roupa. Vestiu um fato escuro, camisa branca e gravata vermelha. O clássico.

E esperou. Esperou que lhe viessem dizer que tinha chegado o momento de voltar a descer a pista, dirigir-se a um palco aí instalado e iniciar o discurso em que anunciava o fim – pensava ele – das hostilidades no Iraque. O fim da operação choque e espanto. Atrás dele num enorme telão podia ver-se “Missão Cumprida”. (…)
Esta encenação terá sido uma das mais caras na história da comunicação. Um milhão de dólares para deslocar um porta-aviões com o nome de um dos fundadores da nação americana – tripulação e comunicação social. (…)

O correspondente do New York Times falou de uma equipa de especialistas para criar um cenário, uma coreografia, uns adereços e um texto pensado para que a eficácia fosse máxima (…)
À mesma hora, em Indianápolis, sete mil pessoas assistiam pela televisão ao discurso do presidente. A ideia era filmar a assistência local para depois editar e emitir mais tarde
.” - Henrique Cayatte; Revista EGOÍSTA; Dezembro 2003

Se a imagem que existe é dos políticos tentarem a todo o custo promover-se através dos media, por vezes o efeito é o contrário - são os media que “apanham” os políticos. Alguns, mais inexperientes, sentem-se “no fim do mundo” fora dos centros urbanos, longe dos jornalistas, e perante tal “liberdade” recorrem a gracejos e posturas que podem ferir susceptibilidades. Há, no entanto, sempre alguém que pode contar a outras pessoas, pode haver um jornalista no meio da assistência…
Foi assim que em 1991, o então ministro do Ambiente, Carlos Borrego, foi obrigado a sair do governo, depois de ter contado uma anedota sobre o alumínio nos alentejanos (anedota alusiva ao caso de hemodiálises de Évora em que morreram 20 pessoas). O resultado foi a sua demissão.
Em outras situações, porque não se resguardam, os políticos acabam por «danificar» a sua imagem ou «desbaratar» os objectivos. Um exemplo: António Guterres foi algumas vezes criticado no seu “inner-circle” por responder sempre às perguntas dos jornalistas. Guterres falava sobre temas que, em princípio, cabia aos ministros responder, e em muitos casos era criticado por não «saber gerir o silêncio». Também criticada era a forma como Guterres se tentava esquivar às perguntas - «Muito obrigado. Boa Tarde», virava as costas para as câmaras de televisão - e após a insistência de um jornalista, acabava por se voltar e responder. Para um primeiro-ministro que era acusado de falta de autoridade e de indecisão, esta postura reforçava a imagem que os adversários políticos tentavam explorar.

 

(1) Introduction to Political Communication;Brian McNair; Routledge; Londres; segunda edição, 1999

18
Fev11

Depoimentos

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Nos depoimentos, a questão é mais simples, embora não menos importante.

Quando é feita a solicitação para um depoimento, uma das primeiras questões colocadas pela assessoria é saber o tema e em que condições é difundido o depoimento.

Aceite o convite, o passo seguinte é escolher a ideia principal que se quer transmitir.
Quem tem alguma experiência sabe que para conseguir este objectivo tem de centrar o seu discurso na mensagem principal e evitar dissertar sobre outros temas.

Se o depoimento for para rádio ou TV, essa ideia está sintetizada numa frase com o tempo máximo de 30 segundos. Tendo em conta o estudo já atrás referido, sobre o tempo médio das declarações de dirigentes políticos, a conclusão a que se chegou foi: o que há para dizer, em televisão, tem de ser em cerca de 20 segundos. A média - RTP e SIC - de todos os depoimentos é de 18.9 segundos. A média dos depoimentos de dirigentes políticos sobe para os 21.5 segundos.
Em rádio - Antena 1, Rádio Renascença Canal 1 e TSF - a média de um depoimento é de 24.5 segundos e, nas declarações de dirigentes políticos, a média sobe para 27.9 segundos. O estatuto de quem presta o depoimento pode fazer variar o tempo que lhe é concedido. Por exemplo, os depoimentos do Primeiro-ministro, nos três dias do estudo, no que se refere à televisão, tiveram em média 30.6 segundos. Em rádio o tempo médio subiu para os 37.5 segundos. (1)

RTP SIC ocorrências tempo global RTP SIC
Media TV: 18,9 seg. 18,5 seg; 19,1 seg 82 min.
Inf. geral: 17,7 seg 16,3 seg; 18,3 seg 164 48 min. 13,9 min. 34,5 min.
Desporto: 19,6 seg 14 seg; 27,7 seg 17 5,5 min. 2,3 min. 3,2 min.
Política: 21,5 seg 23 seg; 19,3 seg 80 28,2 min. 14,9 min 13,2 min.
Media Radio: 26,6 seg

Média directo TV : Política: 33,7 seg

Média gravado TV: Política: 17,6 seg
Média Primeiro Ministro : Televisão: 30,6 seg
Num outro estudo, o Media Monitor de 2002, concluiu-se que «a duração média de todas as notícias em 2002 foi de um minuto e 55 segundos».

Saliente-se que uma notícia, por regra, tem a entrada (que é lida pelo apresentador do noticiário; texto do jornalista que fez a peça e um ou mais depoimentos.)

É face a estes dados que muitos políticos preparam os depoimentos resumindo a ideia central que pretendem transmitir a uma frase chave, a um ‘sound bite’. É uma frase curta, incisiva, clara e, melhor ainda, com ingredientes que lhe dêem impacto.( 2)

Esta é uma situação que, de certo modo, também interessa aos jornalistas de televisão e de rádio. É frequente eles pedirem aos entrevistados que não dêem respostas longas, que sejam concisos, porque lhes dá menos trabalho de edição.

Se por algum motivo o depoimento se prolongar, os políticos aproveitam um pretexto para repetir a ideia chave. Tudo é feito com naturalidade e com a ênfase adequada.

Tal como sucede nas entrevistas, quando da recolha de depoimentos, essencialmente se for em directo, são avaliados previamente os temas da actualidade que possam ser polémicos. É frequente alguns jornalistas aproveitarem a oportunidade para fazer um parêntesis e colocar uma pergunta sobre essas polémicas.
Muitas vezes, o resultado é que a notícia incide não sobre o tema em que, em princípio, versaria o depoimento mas para a outra questão que foi levantada. A frustração dos políticos é ainda maior quando isto sucede em «pseudo-acontecimentos» que prepararam para salientarem um determinado tema.

Em 13/01/2004 a comunicação social referiu logo pela manhã que o ministro da Educação não teria feita uma declaração de rendimentos às Finanças e ao Tribunal Constitucional. No mesmo dia, no Porto, Durão Barroso foi confrontado pelos jornalistas, quando estava envolvido em várias iniciativas dedicadas à Justiça. Deu a seguinte resposta: «o meu dia, hoje, é dedicado às questões da Justiça. Há pouco, fiz uma referência ao facto de uma das mais importantes reformas estruturantes do Portugal democrático ter passado quase despercebida. Por isso, compreendem que, se eu agora vou comentar qualquer notícia que hoje surja, por mais importante que seja, estou a descentrar a atenção daquilo que eu penso ser importantes transmitir ao país como mensagem». – Noticiário das 12h da Antena1

A pressa em prestar um depoimento pode também provocar uma situação ridícula. Por vezes a comunicação social solicita declarações sobre uma matéria cuja veracidade não está garantida. Diz a experiência que, nestas circunstâncias, o mais indicado é ninguém se pronunciar. O melhor é aguardar. Se for considerado muito importante fazer-se um comentário é vulgar recorrer-se à repetição da expressão “a confirmar-se a notícia…”.

Uma outra situação desagradável é que nem sempre é editado o depoimento. Com alguma frequência os jornalistas acabam por não reproduzir o depoimento. Umas vezes, porque ficou desactualizado, outras vezes porque é irrelevante e, por fim, em algumas circunstâncias, porque o jornalista acaba por inserir esse ponto de vista no próprio texto, sem a referência especifica ao seu verdadeiro autor (do ponto de vista pessoal pode ser frustrante, mas numa perspectiva de estratégia de comunicação, é a situação mais eficaz - significa que não só passou o ponto de vista, como acabou por nortear a perspectiva do próprio jornalista). Para alguns políticos há a frustração de não alimentar o ego e até protestam por terem sido excluídos. Este tipo de reacção propicia antipatias. Noutros casos em que o depoimento não foi editado, a resposta pode remeter a culpa para quem prestou a declaração porque não soube dar um depoimento que tivesse interesse para a audiência desse órgão de comunicação social.
Há ainda uma outra possibilidade que deve ser tida em conta, especialmente por quem ocupa cargos de responsabilidade. Devido às funções que exercem, estes dirigentes são frequentemente solicitados à entrada e/ou saída de reuniões. Em alguns casos, a fazer-se um levantamento, talvez seja possível concluir que parte significativa da exposição nos media, corresponde a este tipo de situação. Ou seja, a imagem pública de um dirigente pode ser fortemente condicionada por breves (mas repetidos) momentos e, ainda por cima, em situações que fogem do seu controlo. Até do ponto de vista físico: muita gente, muito ruído, vento, cenário inadequado… Maior é ainda o condicionamento porque, na ausência de outras imagens e depoimentos, quem mais recorre ao registo destes momentos, são as televisões. Saber dominar os improvisos, saber fugir às questões, passar por um batalhão de jornalistas… é fundamental nestes casos. Faz parte do “media training” a que recorrem muitos políticos e personalidades de outros sectores que habitualmente se confrontam com a presença de jornalistas.

Perante a suspeita ou a informação de que há jornalistas à porta, tentam ganhar algum tempo. Por vezes até fazem contactos para se inteirarem de algo que tenha ocorrido (ou recolhem informação dos assessores que já trocaram impressões com os jornalistas e têm uma ideia mais concreta das perguntas que podem ser colocadas). Antes do confronto com os jornalistas preparam as respostas para as perguntas que esperam que venham a ser feitas.
Para se conseguir um maior controlo na cobertura dos media, quem ocupa cargos importantes, mais tarde ou mais cedo, acaba por descobrir que tem de evitar ser apanhado em situações deste género.

Uma das possibilidades a que recorrem com frequência é anunciar que não há declarações e admitir apenas a recolha de imagens. Fotógrafos e operadores de câmara
estão breves momentos no local onde tem lugar o acontecimento.
As imagens que aparecem na TV são apenas aquelas que foram recolhidas durante escassos minutos. Nesse sentido, muitas estruturas de comunicação têm o cuidado de preparar o cenário, para que as imagens que vão ser editadas estejam em boas condições, quer do ponto de vista formal quer no que se refere ao conteúdo.
As pessoas que se encontram nesse local, durante a recolha de imagens, têm também uma preocupação cénica e, por regra, dizem futilidades devido ao receio dos microfones estarem ligados ou de algum repórter com ouvido mais atento.

Este condicionamento da captura das imagens é muito frequente nas visitas ao estrangeiro de chefes de estado e de governo. Como as televisões têm poucas oportunidades para a captura de imagens, estão dependentes dos poucos minutos que conseguem filmar. Sabendo disto, alguns líderes, quando saem do avião que os transportou, dão um aceno para as câmaras. Como se estivessem a saudar os populares que o foram receber. Não está lá ninguém. Só os jornalistas. Mas como, durante algumas horas, não há mais imagens, muitas vezes é o cumprimento do líder “à população que o foi receber” que acaba por ser editado.

(1) Estudos recentes citados em Election Campaigning de Dennis Kavanagh, mostram que as televisões cada vez dão menos tempo às declarações dos dirigentes políticos. Na campanha eleitoral britânica de 1992, as televisões deram um tempo médio de 18 segundos de excertos das declarações dos líderes. Nos Estados Unidos, em vinte anos, até 1988, as televisões reduziram o tempo médio de 42 para 10 segundos.

(2) Dois exemplos: festa do Pontal do PSD em 1994, onde Cavaco Silva lançou a frase “nós somos a diferença”. No final da sua intervenção, parte significativa das perguntas a que foi submetido foi sobre esta frase. Nos dias seguintes o mesmo se passou com comentadores políticos. Outro exemplo - 4 Outubro de 1997, António Guterres acusou a oposição de ser uma “fábrica de farturas”. No dia seguinte esta referência era ainda a notícia da TSF e da SIC, foi destaque no DN e provocou reacções de outros dirigentes partidários, com a resposta de Manuel Monteiro a chamar “rei das promessas” a António Guterres. A frase não morreu aqui. Quatro dias depois, na Assembleia da República, um deputado do PSD (Carlos Encarnação) disse que, agora já se percebia a piada das farturas: a referência era para o Ministro da Administração Interna - “o rei das farturas”.

18
Fev11

Entrevistas

rgomes

Uma pessoa, um rosto, um sorriso, os gestos, o sotaque… São muitos os elementos que fazem parte da «mensagem» numa entrevista. Essencialmente se for em televisão ou rádio.
A entrevista é um instrumento importante para quem quer criar ou consolidar uma imagem. Por outro lado, em algumas circunstâncias, atingem uma elevada audiência. (1)

Audiência das entrevistas na TVI para as Legislativas de 2011:

11 de Abril 2011 PEDRO PASSOS COELHO (PSD)   audiência: 981.860  share: 34.4%
19 de Abril 2011 PAULO PORTAS (PP)                                   953.550            30.6%
21 de Abril 2011 FRANCISCO LOUÇÃ (BE)                             973.230            33.0%
22 de Abril 2011 JERÓNIMO DE SOUSA (PCP)                        856.030            30.7%
26 de Abril 2011 JOSÉ SÓCRATES (PS)                                1135.040            40.5%

fonte: Marktest
 

Deste modo, aceitar um convite para uma entrevista é um desafio que obriga a uma grande preparação.
As principais preocupações são: saber o tema da entrevista e quem vai fazer a entrevista. Não é a mesma coisa ser entrevistado por um “generalista” ou por um jornalista especializado.
É igualmente relevante saber se a entrevista é em directo e, caso seja gravada, se vai ser editada na íntegra. É que, em muitas situações, se a entrevista for editada, apenas uma pequena parte da conversa é aproveitada e, é infalível, o jornalista tende a sobressair o que pode causar polémica.

Por hábito, as assessorias preparam a entrevista reunindo material de apoio, designadamente uma lista de questões que podem ser colocadas. Nesta lista estão os temas de actualidade, mesmo que nada tenham a ver com o tema da entrevista. Por vezes esses temas surgem no próprio dia. Assim, antes da entrevista, é frequente confirmar-se se há qualquer notícia polémica que tenha surgido nas últimas horas.

Os dados, estatísticas e relatórios, são sintetizados de modo a servirem de cábula e para mostrar que se está seguro das afirmações que se fazem. Evita-se levar muitos papéis, apenas uma pequena cábula. Nas entrevistas em rádio ou televisão, os políticos mais experientes, quando se socorrem destas cábulas procuram evitar a leitura de um texto ou de uma anotação. Conseguem manter a espontaneidade do discurso oral. A própria comunicação gestual ganha uma expressão maior, o contacto olhos nos olhos (os óculos não podem impedir a visibilidade dos olhos), os gestos e a autoconfiança permitem reforçar a capacidade de comunicação. Ganha-se muito mais naturalidade e espontaneidade - ou seja, comunicação.
Os mais experimentados recorrem à leitura de um texto apenas quando se pretende fazer uma citação – habitualmente não muito longa – para dar credibilidade à argumentação que está a ser utilizada.

Por parte dos entrevistados, na grande maioria dos casos, o objectivo não é transmitir um conhecimento específico sobre determinada matéria. A preocupação principal é mostrar um bom desempenho ao longo da entrevista. É evidenciar que tem resposta pronta, que é simpático, hábil, inteligente e ultrapassa as dificuldades que lhe são colocadas por alguém, que por vezes, até tem o estatuto de «estrela» da televisão.

A experiência revela também que para obter impacte a entrevista tem de ter um dado novo, uma revelação que possa ser notícia. Isto é, algo que possa provocar referências noticiosas no próprio meio de comunicação social (e se for conseguido em outros, melhor ainda). Quando se afirma algo de relevante, frequentemente, é feita uma notícia nos telejornais e em outros órgãos de comunicação social, o que permite alcançar uma audiência muito maior e multiplicar as formas de transmitir a mesma mensagem.
Com esta “notícia”, além de se valorizar a entrevista (o que propicia novos convites), consegue-se difundir a perspectiva que mais interessa e evita-se que o jornalista destaque uma parte que não dá tantos dividendos ou até que seja negativa.
Mesmo que não seja possível dizer algo de muito relevante, há a preocupação de se dizer algo de novo, de introduzir novas referências. Se não for feito, se do ponto de vista informativo a entrevista não for relevante, corre-se o risco de não ser editada. Se for uma entrevista em directo, transforma-se num aborrecimento.

Uma outra constatação é que os entrevistados evitam serem interrompidos e, sempre que possível, “levam a água ao moinho”. Ou seja, aproveitam todas as oportunidades para falarem apenas do que lhes interessa. Para conseguir este objectivo, essencialmente nas entrevistas em meio audiovisuais, as respostas são muito breves e em alguns casos já estudadas.

O mesmo sucedo com a referência de casos concretos, que servem de exemplo da justeza dos argumentos que estão a ser utilizados. Os exemplos que são citados têm de ser do conhecimento generalizado do auditório e são referidos na perspectiva que mais interessam ao entrevistado.

Um outro aspecto que os políticos mais experimentados já interiorizaram é que, na verdade, o interlocutor não é o jornalista que coloca as perguntas, mas os receptores do órgão de comunicação social a quem se dá a entrevista. Por isso, utilizam uma linguagem simples, clara e de fácil entendimento por parte do público.

Algumas observações finais:
Se o local da entrevista for em instalações escolhidas pela estrutura de apoio ligada ao entrevistado, escolhe-se um espaço sossegado e evitam-se interrupções de telefonemas ou qualquer outro tipo de solicitação.

Se a entrevista tiver de ocorrer num espaço improvisado é aconselhável perceber o meio envolvente, evitar cenários estranhos ou que possam ser prejudciais à imagem do entrevistado. Não é nada aconselhável estar a ser entrevistado e a imagem de fundo é perus a serem degolados, como fez Sarah Palin numa televisão local, KTUU em Anchorage.

 


Não se tratando de uma entrevista em directo, é desejável evitar referir a outros jornalistas o conteúdo da entrevista antes da sua publicação.

 

(1)    Nos últimos anos, a entrevista que conseguiu obter um valor mais elevado de audiência média foi na pré-campanha para as presidenciais. Na TVI, Cavaco Silva conseguiu, em Novembro de 2005 uma audiência média de 17.8% (ultrapassando em certos momentos os dois milhões de espectadores). No mesmo grupo de entrevistas, Manuel Alegre obteve 13.8% e Jerónimo de Sousa 12.8%. Na lista das entrevistas que conseguiram mais audiência, vem depois  «Grande Entrevista a António Guterres» em 04/05/2003. Teve 12%. Segue-se a «Grande Entrevista a Cavaco Silva», em 06/03/2003 com 10.9% de audiência média. Ainda no formato de entrevista, Durão Barroso teve 8.5% em 16/07/03  e Ferro Rodrigues teve 8.1% em 11/11/03. A entrevista a Cavaco Silva na TVI está no terceiro lugar do ‘Top’ de programas políticos.

18
Fev11

Reportagem

rgomes

Não é muito difícil uma organização política captar a atenção dos jornalistas para uma reportagem.
Mais uma vez, o ponto de partida é a construção de um cenário que desperte a atenção dos jornalistas e, em última instância, da audiência dos órgãos de comunicação social.
O cenário pode ser algo bem simples, como por exemplo, a leitura de um comunicado (quando é urgente marcar uma posição) ou algo mais complicado e elaborado, como por exemplo, uma visita a um bairro, uma esquadra…ao estrangeiro.
Estes pseudo-acontecimentos são preparados ao pormenor. A experiência revela que por vezes, um pequeno deslize pode estragar todo o evento. Para evitar esta situação, um dos procedimentos habituais é testar o cenário.

Tudo é preparado com grande antecedência, nomeadamente a confirmação prévia das presenças dos convidados (1) e dos jornalistas, o material que vai ser entregue aos jornalistas e as condições de trabalho que lhes são facultadas.

Sobre a Caravana da «Nova Maioria», organizada pelo PS em 1995:
«integrado na volta, segue também um autocarro de luxo, cujo interior se encontra adaptado às indispensáveis necessidades dos jornalistas que fazem a cobertura da ronda de Guterres. Eles dispõem, gratuitamente, de terminais de computadores e de telefaxes, de telefones portáteis e de aparelhos de TV e até do serviço extraordinário de dois motoqueiros que transportam a qualquer momento para Lisboa ou Porto as cassetes dos operadores de televisão. Independentemente das facilidades concedidas aos jornalistas, o PS oferece ainda aos órgãos de informação que para ali mandam os seus «correspondentes» a estada gratuita nos hotéis onde ficam instalados». José Manuel Saraiva; Expresso; 27/05/95 .

Para a comunicação social é preparado um documento curto com dados alusivos à iniciativa que está ter lugar. Este dossier de imprensa contém apenas o essencial. É de fácil manuseio, sem folhas soltas e com uma referência clara ao conteúdo de cada documento.
É destacada a informação mais relevante e sintetizados outros dados, mesmo que não constituam qualquer novidade. Por dois motivos: permite ao jornalista ter background sobre a história (orientando o seu ponto de vista) e, muitas vezes, os jornalistas acabam por repetir essa informação. Desconhecem que esses dados já foram divulgados (devido ao número escasso de jornalistas especializados em muitas redacções, por vezes, o jornalista que vai fazer a cobertura do acontecimento não tem o background suficiente e desconhece o que é novo - são poucos os jornalistas que antes de sair para reportagem se tentam inteirar da iniciativa que vão reportar).

É igualmente frequente, neste tipo de cobertura dos media, a recolha de depoimentos. As regras a utilizar são as mesmas de qualquer depoimento. Mas há quem recorra a outros instrumentos. Se, por exemplo, a reportagem decorre num «exterior» é apontado um exemplo que está ali à vista, mostra-se … Este tipo de acção exige que se seja o mais concreto possível e não falar durante muito tempo.

Uma outra preocupação dos protagonistas destes pseudo-acontecimentos é dirigir o discurso para questões concretas, que dizem directamente respeito ao cidadão. Por vezes recorrem a valores estatísticos sobre a situação em causa mas, o mais frequente, é citarem um caso concreto que seja ilustrativo (2).
A situação ideal é que esse caso concreto tenha um rosto, uma imagem. Resolve um problema aos jornalistas – que procuram sempre imagens «reais» e vai de acordo às pretensões do autor da iniciativa.

Para conseguirem estes objectivos, parte significativa destas iniciativas são realizadas fora das tradicionais salas das conferências de imprensa.
O risco é maior mas muitos dos imprevistos podem ser ultrapassados. Os políticos mais experientes raramente perdem a calma e muitas vezes até recorrem ao humor para ultrapassar as dificuldades e improvisam uma mensagem que se articula plenamente com o pretendido.

Em momentos políticos agitados e em determinados círculos fechados (Assembleia da República), é usual recorrer-se com excessiva frequência a conferências de imprensa, o que acaba por causar alguma saturação nos jornalistas e por vezes até comentários jocosos.

Um outro motivo porque os jornalistas não apreciam muito as conferências de imprensa, é porque a mesma informação é disponibilizada para toda a gente, já que a regra é convocar todos os meios de comunicação social.
Os jornalistas preferem um contacto pessoal, colocar perguntas e obter respostas exclusivas, para conseguir alguma mais-valia, um cunho pessoal, uma perspectiva mais própria e não banalizada.
Tendo em conta este objectivo, há até jornalistas que assistem às conferências de imprensa não para ouvirem a declaração mas para fazerem uma «espera». No final, num contacto directo, aproveitam a oportunidade para recolher depoimentos exclusivos (por vezes as perguntas incidem sobre outras matérias).
Para os políticos o maior «problema» das conferências de imprensa é sujeitarem-se a perguntas que nada têm a ver com o tema do encontro.
Quando estão numa posição frágil é frequente esquivarem-se a essas perguntas, mas acabam sempre por dar uma imagem negativa.
Para ultrapassar este «problema», quando é dado conhecimento aos jornalistas da realização do encontro, em vez de «conferência de imprensa» aparece a expressão «declaração». Significa que não há perguntas. Outra possibilidade, que nos últimos anos está a ser mais utilizada é limitar o número de perguntas. Outra alternativa é substituir a conferência de imprensa por um comunicado escrito ou colocar outro dirigente – que nada tem a ver com a questão polémica a que se pretende «fugir» - a fazer a declaração.

Um erro frequente é avançarem com iniciativas que não têm qualquer interesse para os órgãos de comunicação social.
Provoca irritação nos jornalistas que se deslocaram ao local e no editor que deu prioridade a uma reportagem que não o merecia. O resultado é ir tudo para o lixo e para a próxima vez já fica desconfiado se vale a pena enviar um jornalista.

As assessorias e os dirigentes políticos com mais experiência sabem igualmente que nestes contactos com a imprensa é importante respeitar o «distanciamento» dos jornalistas. Feita a exposição, lançam algumas pistas ou sugestões sobre a relevância do que foi dito – não sobre a abordagem do jornalista – e nada mais do que isto.
A experiência revela que é contraproducente «impingir», seja o que for, ou fazer um acompanhamento «em cima» dos jornalistas. Alguém das assessorias faz um acompanhamento para prestar qualquer apoio ou esclarecimento e nada mais do que isso.
Algumas vezes, quando há apoiantes da organização política, é frequente haver pressão sobre os jornalistas. Nestes casos, os próprios assessores e dirigentes políticos assumem uma posição proteccionista e até pedem desculpas – tudo para que os jornalistas não se sintam incomodados ou condicionados.

Um outro motivo de irritação para os jornalistas é arrastar as iniciativas.
Os políticos mais experientes percebem quando se começa esse cansaço. Muitos jornalistas ficam desatentos e outros abandonam a sala. Aproveitam então uma oportunidade para dizer que é a última pergunta ou que a iniciativa está a terminar e depois de uma síntese, encerram o evento.

(1) “O almoço de ontem atraiu a Belas para cima de três mil idosos, deixando estupefactos os homens da máquina socialista, que já se davam por contentes se aparecessem aí uns mil. Faltavam pratos, guarda sóis, os talheres e o vinho nas mesas. Grupos de enérgicos velhotes como que “assaltaram” a adega do restaurante e chegavam exultantes às mesas com garrafas de tinto e de branco em cada um dos braços. A improvisação instalou-se, a banda desatou a tocar sem parar, os pares saltaram para a pista, António Guterres foi literalmente amassado à chegada.” Público - Setembro de 1995

(2) “A Praça de Bocage ficou a muito pouco de encher, no que terá sido um dos maiores comícios do PS na cidade do Sado. Guterres ensaiou o discurso da crise, mas não funcionou. Sacou então de uma verdadeira “bomba”, que, mais uma vez, soltou as lágrimas ao povo. Contou a história de uma criança de nove anos que, no dia anterior, lhe tinha entregado uma carta em que contava uma triste história. “A minha mão foi para o céu com apenas 29 anos…” E depois, lá vinha o previsível desenvolvimento. Pai desempregado, criado com avós. À carta juntava-se o retracto da criança que lhe dizia ainda: “Deixo-lhe o meu retracto para que não se esqueça das crianças como eu!” Já com umas lágrimas à solta por entre a assistência, Guterres assumiu um compromisso solene: “Se for primeiro-ministro, esta fotografia estará ao lado da dos meus filhos… Foi o momento mais forte do comício…”. Público - Setembro de 1995

18
Fev11

2.4 Media que marcam a agenda

rgomes

Não é fácil conseguir a cobertura dos principais órgãos de comunicação social, nomeadamente das televisões. Apenas uma pequena parte dos acontecimentos agendados são relatados nos órgãos de comunicação social em geral e na TV em particular.
Há, no entanto, algumas técnicas que ajudam a conseguir o objectivo de «ser notícia».

Um dos processos é marcar a agenda dos média através de um ou dois órgãos de comunicação social. Por vezes é uma técnica eficaz porque nem os próprios jornalistas/editores se apercebem deste propósito.
O motivo é simples. É que os jornalistas, além de serem produtores de notícias, são também consumidores e deixam-se influenciar pelas manchetes de outros órgãos de comunicação social.
Um outro motivo, tem a ver com a preocupação dos editores em não deixarem de fora alguns temas importantes, que já estão a ser tratados nos outros media. O medo de serem ultrapassados e que provoca o mimetismo.
Para satisfazerem esta preocupação é até frequente seguirem a mesma abordagem e recorrerem a depoimentos das mesmas pessoas. Até o comentário dos mesmos especialistas.

Em Portugal, no final da década de 90, os órgãos de comunicação social diários e de informação geral, que mais determinavam as agendas das televisões, eram a TSF, o DN e o Público.
Num levantamento efectuado durante 20 dias, em Dezembro de 1997 (10 dias no decorrer da campanha eleitoral e os restantes 10, depois das eleições autárquicas), foi avaliado o impacto das notícias dos jornais diários.
A conclusão foi a seguinte: nove notícias do DN foram repescadas por outros órgãos de comunicação social. Essas nove notícias tiveram, no mínimo, 27 citações em outros órgãos de comunicação social, nomeadamente nos principais blocos informativos das televisões.
No mesmo período, o Público teve três notícias que foram citadas por outros media. Essas notícias tiveram, no mínimo, sete referências em outros órgãos de comunicação social, inclusive televisões. (1)
Refira-se ainda que, além da repescagem das notícias, em muitas outras situações, consegue-se influenciar o ponto de vista dos jornalistas de outros órgãos de comunicação social. Um exemplo: na primeira semana de Fevereiro de 1998 o Público colocou em primeira página um “Acordo global” entre o PS e o PSD sobre a realização de três referendos. Apesar de sucessivos desmentidos, esta informação foi um eixo permanente em vários media e, num caso, num directo da SIC, o jornalista chegou mesmo a falar num acordo global entre os dois partidos.

Se uma notícia tiver grande impacto e for salientada por um dos órgãos de comunicação social que marque a agenda dos outros media é possível que seja ampliada a sua repercussão.

É uma situação que pode interessar às várias partes. Cito o jornalista Luís Miguel Viana, numa referência que vem na página do Provedor dos Leitores, de Mário Mesquita, na edição do DN de 8 de Dezembro de 1997: “«Se um jornalista chegar hoje às redacções (…) e disser que teve acesso, em primeira mão, através do gabinete do ministro da Administração Interna, por exemplo, ao relatório de segurança interna (…), o seu texto terá acesso directo à primeira página (…). O que conta é que, com aquele exclusivo, o seu jornal conseguiu atingir vários objectivos que hoje são preciosos: ultrapassar a concorrência directa; reforçar os canais que permitem ter acesso a informação com origem no Governo; e induzir o noticiário de outros órgãos de informação que partilham a mesma cultura informativa, tais como as televisões e as rádios (deve dizer-se que, em Portugal, conseguir impor o tema do Fórum-TSF da manhã seguinte é um sinal, com muito prestígio, de que se alcançaram os objectivos pretendidos)”.

Nos dias mais recentes, há que ter em conta o surgimento de novos órgãos de comunicação, designadamente da SIC Notícias que é dos meios de comunicação social que mais condicionam os jornalistas. Devido à importância que atribui à informação, recorrendo com frequência a «directos» e ao facto de ter muitos noticiários ao longo do dia, acaba por ser uma «companhia» permanente em muitas redacções. O mesmo se passa em relação a páginas na web de alguns órgãos de comunicação social (caso do Público).

Mesmo que seja de forma empírica, muitos políticos percebem a «dinâmica» que as notícias produzem se forem publicadas em determinados órgãos de comunicação social. Em algumas situações é muito fácil. A quantidade de solicitações por telefone, a partir das Redacções, depois da difusão de uma notícia é um sinal claro do efeito de arrastamento junto dos outros media.

Este é um dos motivos porque alguns políticos têm um relacionamento privilegiado com determinados órgãos de comunicação social e reservam para eles os «exclusivos».

(1).
dia                Notícia                                                               referências*
3 DN - Jorge Coelho não participa na campanha        R. Nova; TSF, RC; SIC
4 Público - relatório europeu sobre prisões                RR;RC;TVI
5 DN - novidades na educação - bolsas                         RTP; RDP; R. Nova; RC
10 Público - obras no colégio moderno                        RC; SIC; TSF;
12 DN - sangue limpo nos hospitais                              TSF; RTP
16 DN - importado produto contaminado                   RTP; TVI RDP; TSF; RR; R. Nova
17 DN - lei incompatibilidades/autarcas                     RC
17 DN - bolsas a 50% estudantes pobres                      TSF
18 DN - artigo Pacheco Pereira                                     RR; TSF; Expresso
19 DN - recibos verdes na administração pública      RDP
22 Público - absolvido ex-secretário estado                TSF
23 DN - PS do norte conspira ao almoço                    TSF; RR; RC

18
Fev11

2.5 O exclusivo

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Os jornalistas têm duas «obsessões» não perder uma história que a concorrência pode dar e, se possível, ter uma «cacha». Um exclusivo.

Os políticos conhecem esta «obsessão» e conseguem tirar dividendos ao dar uma «cacha» a um jornalista. Além da relação positiva com o jornalista, quase sempre o órgão de comunicação social dá mais importância ao tema porque tenta valorizar o seu «exclusivo».

«algumas “cachas” que orgulham os seus autores são formas espertas de fazer passar a mensagem através do mensageiro certo, quer dizer, é propaganda sem propaganda» - Eduardo Cintra Torres; Público; 27/01/1998

Há quem se aproveite desta situação e, em vez de um, dá dois «exclusivos», uma «dobradinha». A história é dada a um jornal e à rádio ou uma televisão, com a garantia que tem embargo até às 0h/01h. Cada um deles até pode ter dados complementares, mas o sentido da informação veiculada aos jornalistas vai na mesma direcção.
Habitualmente, como são meios complementares, não há conflito de interesse entre os dois órgãos de comunicação social e o efeito que se pretende – a maior divulgação possível da mensagem e condicionar outros órgãos de comunicação social – pode ser mais facilmente atingido.

Referente aos assessores de imprensa e de comunicação do Governo de António Guterres: «Todos têm uma lista de órgãos de comunicação social que querem privilegiar. Nas televisões, os índices de audiência determinam a preferência. Quanto aos jornais, são os lidos pelos políticos, os de «referência»: Jornal de Notícias, Diário de Notícias e Público. Nas rádios, TSF, Rádio Renascença e Antena Um. Entre os semanários, pontifica o Expresso e não é apenas por ser o de maior tiragem». – Capital; 08/01/1999

Quando da escolha do órgão de comunicação social que vai ter o exclusivo, além dos critérios como a marcação da agenda, da credibilidade e da audiência coincidir com o eleitorado que se quer atingir, há, episodicamente, um outro factor - por vezes, um jornalista já andou atrás da história e até solicitou informações sobre essa matéria. Para evitar o sentimento de marginalização desse jornalista é habitual ser-lhe fornecida alguma informação, sem por em causa o exclusivo do outro órgão de comunicação social.

Há ainda uma outra situação que é mais grave e que nem sempre é evitada provocando, por vezes, grandes «estragos». Quando do contacto de um jornalista, para obter mais dados ou uma reacção, as assessorias ficam a saber o tema que ele está a trabalhar e alguns pormenores. Por vezes, há quem tenha a tentação de contar estes dados a outro meio de comunicação social. Quem fica “estragado” é o jornalista que estava a fazer a investigação e se apercebe que foi “traído”.

Definido o órgão de comunicação social a quem vai ser dado o exclusivo, a regra é respeitar o compromisso. Se não, o prejudicado é quem deu a informação. Fica com uma avaliação negativa e desprestigiada. É que, os jornalistas detestam sentirem-se enganados e, por outro lado, situações deste género, são sinais evidentes de má fé ou desorganização.

Um outro elemento que serve de regra quando se dá um «exclusivo» por exemplo, a antecipação de uma conferência de imprensa, é fornecer apenas uma parte da informação acerca da iniciativa. A razão principal é que não querem esvaziar o interesse da conferência de imprensa. Terá de haver algo de novo a dizer, se não mesmo o mais importante. Mesmo assim, muitos jornalistas ficam satisfeitos por terem antecipado parte da história.

Quando se antecipa uma iniciativa as assessorias fazem um acompanhamento permanente da informação, essencialmente nos meios rádio, tv e online. Em muitos casos, essencialmente quando surgem reacções de outras organizações, são mobilizados outros protagonistas para responderem e contra-atacarem.

Refira-se ainda que é também frequente dar um «exclusivo» sem surgir a «impressão digital» de quem foi a fonte de informação. Com alguma frequência alguns jornalistas que têm um relacionamento mais próximo com os agentes políticos recebem documentos, material comprometedor em relação a uma figura pública ou instituição.
Muitas vezes esta documentação está toda preparada para ser trabalhada e publicada. Ou seja, quem recolheu os dados já teve em conta a necessidade de ter elementos comprovativos. O jornalista que recebe estes dados, muitas vezes, limita-se a confrontar o visado da notícia. O resultado final parece uma «investigação jornalística» - o que lhe dá mais credibilidade - mas, na verdade, a recolha de informação foi feita por outras pessoas.

18
Fev11

2.6 A hora certa

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A hora em que é desencadeada uma iniciativa relevante é um factor determinante.

Se o objectivo principal é o acontecimento ser reportado nos principais blocos informativos das televisões, a iniciativa é feita até meio da tarde. Se o pseudo-acontecimento tiver força importante para passar em directo, a opção é a iniciativa estar a decorrer na hora dos noticiários televisivos (1).

Para se conseguir este último objectivo é frequente alguém estar atento às emissões das televisões para sinalizar o início do directo.
Repare-se no exemplo do comício de encerramento do PSD nas legislativas de 1999. Como a RTP estava a fazer um directo, o assessor de imprensa do PSD, José Mendonça, foi a um canto do palco com uma placa dar o sinal a Durão Barroso. A partir da Convenção das legislativas de 2002 este processo foi ultrapassado com a colocação de monitores no púlpito e, mais recentemente, através de sinais luminosos no palanque do orador que indicam qual o canal de televisão que está em directo..

O orador está atento ao sinal e depois incide a sua intervenção na mensagem que considera importante. Mesmo que isso implique uma repetição. Por vezes até é obrigado a fazer mais do que uma repetição – ao surgir o directo de outra televisão.
Apesar de aos olhos dos presentes – jornalistas e público - parecer estranha a repetição, quem o faz está interessado é nas milhares de pessoas que recebem directamente a mensagem através das televisões.

Uma outra preocupação na escolha do momento mais adequado para estes «pseudo-acontecimentos» é evitar a reacção em tempo útil da oposição.
Para isso, é frequente realizarem o evento quase em cima do “dead line” das Redacções (de televisão). Neste caso, corre-se o risco de a iniciativa não passar, mas como habitualmente são avisados os principais órgãos de comunicação social de que está prevista uma iniciativa para essa hora, e se forem dados alguns pormenores reveladores da importância do que se irá passar, o risco é diminuído.
É neste «jogo» que muitas vezes estão envolvidos os principais partidos, com o governo e os jornalistas a servirem de peões.

Durante muito tempo os dois maiores partidos portugueses (PS e PSD) utilizaram a seguinte estratégia: marcavam as reuniões dos órgãos nacionais para cerca das 17h e prestavam declarações aos jornalistas pouco depois das 19h. Quase em cima dos telejornais, restava apenas uma hora.
A equipa de reportagem das televisões recolhia o material, ia apressadamente para a Redacção e todo o esforço era dirigido para editar a notícia a tempo útil de ser colocada no jornal das 20h. Na prática, isto impedia ouvir a reacção do partido adversário a tempo de entrar no mesmo bloco informativo. Na prática, esta estratégia condicionava fortemente uma das regras do jornalismo: ouvir o contraditório (para alguns estudiosos da comunicação, o que de facto o jornalista procura não é o contraditório, a confrontação das ideias. O objectivo é o choque e o drama do confronto entre duas personalidades, o que propicia maior audiência).

Por sua vez, os oponentes tinham uma primeira dificuldade que era saber o que tinha sido dito. Em alguns casos esperavam por essa informação na agência Lusa. Noutros casos tinham de ouvir os noticiários das rádios ou alguém telefonava para um jornalista conhecido (que por vezes até tinha estado a presenciar o outro «acontecimento») a perguntar o que se tinha passado. O objectivo seguinte era desencadear o mais depressa possível uma reacção de forma a conseguir que a mensagem ainda fosse a tempo de sair na edição seguinte dos jornais e nos noticiários da noite das rádios e televisões. Um dos processos mais céleres para atingir este objectivos era colocar a informação na agência de informação.

Actualmente esta preocupação de conseguir o contraditório ganha ainda maior relevo devido à ‘actualidade’ de uma mensagem, um dos critérios de aferição dos jornalistas quando do tratamento de uma notícia. Se antes este critério podia ser mais elástico, hoje o tempo de vida de uma notícia é muito curto. Ou a reacção entra ainda a tempo da «actualidade», ou então é um caso perdido.
Quem faz a gestão de comunicação destas organizações depressa se apercebe deste factor e procura dar a resposta o mais depressa possível.

Se não se consegue atingir o objectivo de fazer passar a reacção à iniciativa de uma organização política concorrente, é vulgar criar-se um outro «pseudo-acontecimento». No dia seguinte volta tudo ao início.

Na gestão semanal da agenda dos média, o melhor dia para avançar com uma iniciativa é habitualmente a segunda-feira. É um dia de rescaldo do fim-de-semana e, na maior parte das organizações, é quando se faz a gestão das iniciativas a curto prazo. Os jornalistas têm menos acontecimentos agendados e estão mais disponíveis para a cobertura de outro tipo de acontecimentos.
A sexta-feira é um dia muito particular. Muita gente antecipa o fim-de-semana e alguns nem sequer têm contacto com os principais noticiários das televisões. Além disso, excluindo as iniciativas que requerem alguma urgência, as principais histórias foram «guardadas» para os semanários. Os políticos sabem o peso de um jornal como o «Expresso», e se tiverem possibilidade de serem notícia, de dar um exclusivo, de guardar um comentário….para o sábado, chegam à quinta e sexta-feira e a gestão da informação já tem em conta este objectivo.

«Um evento marcado para as 11.30h de uma terça-feira tem muito mais potencial mediático do que se for combinado para as 16.30 de sexta-feira» - Luís Paixão Martins; Schiu… Está aqui um jornalista

Quem tem uma visão mais apurada da gestão da agenda dos média ao fim-de-semana, tem também em conta a revista do grupo Notícias (JN e DN). Esta publicação sai ao domingo, é lida por mais de duas centenas de milhares de leitores e permite a colocação de um outro tipo de histórias. Os hobbies de um político, as viagens, a casa de campo, a família… Não é para discutir política. No entanto, muitos políticos sabem que é extremamente útil para revelar facetas pessoais ou «humanizar» alguém que por vezes tem uma postura distante do cidadão comum.

Uma última nota sobre a forma como é gerida a informação em situações de crise.
O ritmo da informação que é transmitida para a comunicação social é um dado relevante. Se há um fluxo permanente de informação isso significa que o «caso» ainda não está encerrado. Ao contrário, se for libertada informação mais espaçadamente, pode-se criar a ideia que há poucos dados novos, que o «caso» se está a esgotar e, desse modo, criar a ideia que a situação de crise está a ser ultrapassada. Jaime Gama é um dos políticos que recorre a esta técnica e chegou a influenciar o ritmo de informação dado aos jornalistas em situações de crise, no governo de António Guterres.

Gestão a médio e longo prazo:
Numa gestão a médio e longo prazo, o planeamento já não é de horas mas de semanas ou de meses.
Varia consoante a acção dos oponentes e a opinião do eleitorado, em particular de alguns círculos eleitorais.
Através de estudos de opinião consegue-se perceber se vale a pena apostar em determinado círculo eleitoral ou se os «ganhos» que se vão conseguir são nulos. Por exemplo, nas legislativas de 2005, o PS tinha vários estudos onde se concluía que a maioria absoluta só era possível se o partido conseguisse crescer em cinco círculos eleitorais. Passaram a ser os «key seats» da campanha socialista:
«Os distritos de Lisboa e Porto são os dois que o secretário-geral do PS, José Sócrates, deverá visitar mais vezes durante o período oficial de campanha eleitoral, que dura entre os dia 6 e 18 deste mês. A campanha do líder socialista vai centrar-se fortemente nos distritos mais populosos, e que elegem mais deputados à Assembleia da República, devendo mesmo ocupar-se exclusivamente dos principais centros urbanos (Aveiro, Setúbal e Braga, além de Lisboa e Porto) nos últimos 9 dias de uma campanha eleitoral de 14.» DN; 01/02/05

Os mesmos estudos permitem avaliar o comportamento do eleitorado. Tradicionalmente onde vota, se é muito volátil, se há muitos indecisos, se há condições para haver uma mudança de opinião algum tempo antes das eleições e, em caso afirmativo, como se pode consolidar estes votantes.
Em função das conclusões é escolhida a altura mais indicada para se avançar com medidas marcantes.
Em alguns contextos, o eleitorado é reticente a mudar de opinião e muitos votantes só assumem a sua escolha no decorrer da campanha eleitoral, se não no próprio dia das eleições. (2) O que implica manter a “pressão” até ao fim.
Se for outro o ambiente, se existirem condições favoráveis à mudança, as eleições podem ser ganhas muito tempo antes do acto eleitoral.
Foi o que se passou em Portugal nas legislativas de 1995. Segundo uma sondagem, 75% dos votantes tinham tomado a opção há muito tempo. No decorrer da campanha, apenas 5.1% dos votantes tomaram uma decisão sobre o partido onde iriam votar. Na véspera a percentagem foi de 0.8% e no próprio dia a decisão foi tomada por 3.4%. (3)

Um estudo, realizado na Inglaterra sobre as eleições legislativas de 1987 revelou que o comportamento do eleitorado sofreu profundas alterações meio ano antes do início da campanha eleitoral. ( Miller, W. Clarke, H…(1990) How Voters Change: the 1987 British General Election in Perspective, Oxford, Clarend Press ). Esta mudança foi em benefício dos conservadores.
Segundo Dennis Kavanagh (Election Campaigning - the new marketing of politics), os conservadores decidiram antecipar a preparação da campanha eleitoral depois de uma delegação ter ido aos Estados Unidos perceber o sucesso de Ronald Reagan. Na preparação do período pré-eleitoral de 1984, a equipa de Reagan desencadeou um plano para os últimos meses, antes do arranque da campanha eleitoral. Esse plano passava pela marcação da agenda através de discursos, conferências de imprensa, deslocações e iniciativas legislativas.

Com estes ensinamentos, os conservadores prepararam de igual modo as eleições de 1987. Uma equipa ficou encarregue de elaborar um plano que passou pela gestão da agenda através de iniciativas essencialmente no parlamento - controlo dos agendamentos, apresentação das iniciativas legislativas, debates, orçamento… Em termos complementares era feita a gestão da exposição pública de membros do governo e lançados os temas mais favoráveis.
Bill Clinton fez o mesmo ao antecipar a campanha eleitoral. Mal terminou a convenção do Partido Democrático, Clinton e Gore foram para o terreno, percorrendo vários estados. Quando terminou a Convenção do Partido Republicano, já Clinton tinha marcado há muito tempo a agenda. O mesmo sucedeu nas presidenciais de 2004. Nove horas depois de terminar a Convenção Democrata, Kerry foi para as ruas de Bóston, iniciando uma jornada que o levou de costa a costa, durante quinze dias.
Em Portugal, nas legislativas de 1 Outubro de 1995, o Partido Socialista recorreu a igual estratégia. Com o PSD ainda a elaborar a sua estratégia para as eleições, o PS encerrou os Estados Gerais em Março e, em Maio, meio ano antes do arranque da campanha, já andava António Guterres a percorrer o país, acompanhado por jornalistas.

Ao contrário das anteriores campanhas e pré-campanhas eleitorais do PS, a Caravana d’«A Nova Maioria», que está a levar António Guterres a 32 concelhos do continente e ilhas, constitui um surpreendente exemplo de organização. Inspirado no modelo de pré-campanha de Bill Clinton, que há três anos o colocou na presidência dos EUA, o actual circuito nacional do líder socialista baseia-se no principio de que é preciso dar-se a conhecer para ser conhecido. Baseia-se também no conceito segundo o qual se torna fundamental conquistar antecipadamente no terreno a simpatia dos eleitores e convencer os indecisos para os objectivos a que se propõe qualquer candidato a primeiro-ministro». José Manuel Saraiva; Expresso; 27/05/95

Nas eleições seguintes, o PSD tentou fazer o mesmo, mas um problema de saúde de Durão Barroso obrigou-o a adiar a iniciativa para próximo das férias e depois da Convenção do PS. Com o adiamento perdeu-se parte do efeito pretendido.

O propósito de antecipar as iniciativas de pré-campanha reforça a tese de que são modestos os efeitos de uma campanha eleitoral, por melhor que seja a política de comunicação.
As eleições ganham-se ou perdem-se ao longo de quatro anos e não em quatro semanas.
Tendo em conta esta tese, não é de estranhar o esforço de alguns governos (Reagan, Clinton; Blair…e também de Guterres) de estarem permanentemente em campanha. Diz Caio Blinder, especialista em assuntos internacionais, no DN de 19/10/2003: «Num ponto Bush é certeiro. Assim como o seu antecessor Bill Clinton, o presidente vive em campanha permanente e tem legiões de militantes conservadores trabalhando para ele em tempo integral».

Por último, sublinhe-se que, em algumas circunstâncias, as eleições são ganhas depois de fechadas as urnas, conforme Pacheco Pereira o salientou na sequência de uma «noite eleitoral».
Isto é, as eleições podem ser ganhas nas televisões, na noite eleitoral, quando os resultados são muito próximos, ou quando diferem os critérios de interpretação dos resultados.
Foi assim nas autárquicas de 1993 em Portugal, onde o PS foi surpreendido pelo PSD.
Nas eleições autárquicas de 1997 o PS aprendeu a lição e logo às 19.30h (antecipando a hora prevista) declarou a vitória. Esta iniciativa obrigou o PSD a também antecipar a sua declaração, reivindicando igualmente a vitória, mas quando o fez, já foi tarde.

Por outro lado, é ainda nas noites eleitorais que ficam as intervenções mais marcantes para o debate político. Mesmo quando se perde um escrutínio é essencial desencadear uma estratégia de «controlo de danos». Um dos processos habituais é assumir a responsabilidade da derrota.

«Guterres matou a noite política a seu favor com a intervenção em que assumiu as responsabilidades e é pena que não fosse possível realizar uma sondagem logo a seguir ao discurso. Decerto que lhe seria bastante favorável» – Joaquim Sabino em declarações ao Diário Económico de 10/11/1998 sobre a derrota do «Sim» no referendo da regionalização.

 

(1). “E os condimentos típicos do exercício do poder, ou das tácticas de quem por ele luta, estiveram bem presentes na reunião do “conselho económico e social” dos socialistas, que reuniu ao fim da tarde, em Setúbal, para discutir os problemas do emprego. Notoriamente, um mero pretexto para exibir a galeria de “notáveis” dos Estados Gerais. Todos os “trunfos” do PS em matéria de políticas económicas e sociais ali estiveram. Constâncio, a desdobrar-se em entrevistas e a explicar a credibilidade das propostas do PS, sobretudo aquelas que foram quantificadas (por si, claro!), Daniel Bessa, João Cravinho, António Vitorino, Vital Moreira, João Proença, Pina Moura, Ferro Rodrigues, entre outros. Tratou-se de um “número” bem conseguido para as televisões, com direito de entrada no Jornal da Noite, da SIC, e um “directo” com Vítor Constâncio. (…)” Público - Setembro 1995

(2). Nas eleições britânicas de 1992, segundo dados revelados pelo Labour, nove milhões de votos mudaram na última semana. O resultado final, com a vitória de Major, acabou por ser um balde de água fria para o Labour, já que existia um triunfalismo exagerado antes das eleições. Tendo em conta esta experiência, nas eleições seguintes, em 1997, os trabalhistas recusaram sempre um triunfalismo prematuro e organizaram detalhadamente os últimos cinco dias de campanha, concentrando e reforçando as iniciativas nos noventa círculos eleitorais que consideraram determinantes (key seats) para vencer. Na organização havia mesmo uma estrutura encarregue de preparar apenas a última semana de campanha.

(3). Na mesma sondagem, as razões que determinaram o voto eram as seguintes: fidelidade: 52%; era o melhor partido: 37.3%; voto útil: 4.6%; outra razão: 3.1; nenhuma razão: 3%.