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Comunicação Política

Comunicação Política

12
Mai13

A Mensagem

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O principal objectivo de qualquer organização política é provocar um determinado efeito nos eleitores que pretende atingir. Para isso, tem de escolher a melhor estratégia e a mensagem que presume ser a mais adequada para conseguir esse objectivo. Essa mensagem pode ser difundida em vários suportes - discurso oral, escrito, visual, etc.

No entanto, a mensagem não se resume a uma ideia ou a um slogan. É algo complexo, construído a partir de uma multiplicidade de factores.

Na grande maioria dos casos, a mensagem não se esgota no conteúdo das ideias e vale mais pela forma como se apresenta.

Neste processo comunicativo, quando se pretende dar a conhecer um tema, há dois caminhos que, embora complementares, podem levar a opções bem diferentes.

Pode-se recorrer ao debate, à discussão das ideias e ao aprofundamento do tema para, depois da reflexão, os cidadãos fazerem uma escolha. Procura-se a «essência das coisas», vale a razão e aplica-se o distanciamento emocional. Noutras palavras, estamos no terreno da reflexão sobre o “ser”.

O outro caminho tem a ver com a crença, com o jogo da sedução. O que é relevante não é o que sou mas o que o outro pensa de mim - a minha imagem.

É o discurso da impressão, do “parecer”.

«É na medida em que o mundo de hoje – cada vez mais dominado pela Internet e pelos media – perdeu densidade e espessura física, se volatilizou em ícones que tendem a ser arquetípicos, que o império das imagens e a forma como elas são construídas acabam por configurar uma espécie de realidade paralela, tantas vezes mais forte do que a ‘realidade verdadeira’.

Na política, a perícia e a rapidez com que se manipula este mecanismo de produção de imagens – podemos mesmo falar de uma fábrica de imagens – é hoje o campo de confronto substituto do debate ideológico. Mais do que esgrimir ideias, confrontar projectos, analisar o impacte positivo de medidas concretas, sejam dos governos ou das oposições, o importante é colar um selo, uma etiqueta, um chavão que aguça o apetite para o telejornal do dia e que marca o protagonista com um carimbo que às vezes é mortal» - Duarte Lima; Expresso nº1658; 07/0804

Aquilo a que Duarte Lima refere como a «produção da imagem» pública, de facto, não é uma especificidade dos dias de hoje.

«O fenómeno da imagem pública, particularmente na sua forma política, parece ser tão antigo quanto o próprio fenómeno da vida pública. (…) O que o traz ao centro da cena é a sua vinculação à esfera da visibilidade pública e a sua relação estreita com os meios de comunicação de massa. Embora quase conatural com a actividade política, o fenómeno contemporâneo tornou-se o que é, em termos de importância social, por causa de três factores: a) O advento da democracia moderna, trazendo consigo exigências de esfera pública; b) o advento das sociedades de massa; c) o predomínio dos grandes meios de comunicação como lugar e como recurso expressivo no qual e pelo qual se realiza a esfera daquilo que é socialmente visível. » (1)

«As novas técnicas trouxeram meios mais poderosos para a dramaturgia democrática: os meios dos media, da propaganda e das sondagens políticas. Reforçam a produção das aparências, ligam o destino das pessoas de poder à qualidade da sua imagem pública tanto quanto às suas obras. Denuncia-se então a transformação do Estado em “Estado Espectáculo”, em teatro de ilusão. O que assim se encontra sujeito à crítica, porque considerado como perversão, não é senão a ampliação duma característica indissociável das relações de poder (…) Por detrás de todas as formas de disposição da sociedade e de organização dos poderes, encontra-se, sempre presente, governante de bastidor, a “teatrocracia”. Ela regula a vida do dia-a-dia dos homens em colectividade; ela é o regime permanente que se impõe aos diversos regimes políticos revogáveis, sucessivos». - Georges Balandier (2)

Não é assim de estranhar que tenha sido Aristóteles o primeiro a conceber uma teoria sobre a persuasão - a origem (ethos), a mensagem (logos) e as emoções da audiência (pathos). O próprio Aristóteles recomendava que o orador tinha de mostrar credibilidade, ter um fio condutor na argumentação e a mensagem devia ter em conta as crenças da audiência.

A preocupação com a criação e gestão da imagem pública sempre acompanhou a actividade dos agentes políticos e hoje adquiriu maior importância.

O que pode variar é qual a função prioritária na actividade política: a produção da imagem (o image making) ou a função substantiva da actividade política: decidir em função do bem comum, fazer uma gestão adequada dos bens (sendo que ambas as funções, nunca andam separadas.)

De facto, na grande maioria dos casos, «fazer conhecer passou a ser mais importante que fazer.» (3)

Quando hoje um político critica um adversário de a sua única mais-valia ser apenas a imagem – a acusação a José Sócrates, feita por colegas de partido quando se candidatou a secretário-geral do PS em 2004 - pretende-se insinuar que o autor da acusação não se preocupa com a sua imagem pública. Nada mais falso. Com estas acusações, ele próprio está a tentar conseguir dois objectivos: determinar a «imagem» do adversário (no caso de José Sócrates – a de um candidato “de plástico”) e construir a sua própria «imagem» baseada em características supostamente menos artificiais – “o PS genuíno”.

Este tipo de discurso, que aposta na imagem, no “parecer”, é cada vez mais frequente e não apenas por ser o mais fácil de produzir.

Por um lado, nos dias de hoje, qualquer pessoa é “bombardeada” com informação. «Um norte-americano vê ou ouve em média, ao longo da sua vida, mais de sete milhões de anúncios. (…) Esta saturação de mensagens impõe ao emissor uma carga persuasiva na mensagem para conseguir chegar ao receptor». (4)

Por outro lado, este tipo de mensagem é mais eficaz porque está em consonância com os valores dominantes, o modo como cada vez mais se apreende o mundo pelas imagens, pelas metáforas, pelo audiovisual. Esta é a sociedade da sedução.

«1. A “imagem de marca” no campo da política
A “era da moda consumada” é caracterizada por Giles Lipovetsky como o “domínio dos princípios do efémero, da sedução e da diferenciação marginal, reorganizando em profundidade o contexto quotidiano, a informação e a cena política”.
A efemeridade resultaria da sedução do novo, ou mais precisamente da novidade, acelerando a marcha da obsolescência de produtos, ideias e imagens, assim induzindo a renovação contínua de ciclos de consumo.
A frivolidade é a outra face da efemeridade: os valores tradicionais, as crenças profundas, são fagocitadas pela voracidade do descartável, do facilmente digerível, do que conduz à distracção e não à concentração .
O império do efémero é assim o império das aparências feéricas, da vitrinização, da busca do “efeito espectáculo”.
(…) Vale destacar que na esfera da política a forma moda pressupõe a centralidade dos processos de produção, circulação e consumo de imagens políticas que assumem elas próprias a condição de mercadoria.
Configura-se assim um outro campo de saberes e regras operativas desse fantástico mercado das imagens políticas: o marketing político eleitoral.
»- (5)

Os vários modelos de conhecimento, a aprendizagem das narrativas, o modo como se conta uma história, são cada vez mais determinados pelos meios audiovisuais.

O principal acontecimento do mundo, num determinado dia, não passa de uma história de dois minutos, contada através de imagens e numa linguagem simples e directa. Todas as outras histórias passam por esta grelha, para não se tornarem aborrecidas.

O mesmo se passa na política.
A mensagem de um líder partidário, para ser difundida pelos media, é determinada por essa grelha.

Os comentadores exigem aos políticos este tipo de discurso, caso contrário consideram que estes não têm perfil para o cargo (foi de certa forma o que sucedeu com Vítor Constâncio e Manuela Ferreira Leite cuja capacidade técnica foi ofuscada pelas dificuldades de comunicação).
Por último, os receptores, os eleitores, vão dando sinais de que a mensagem com maior receptividade é aquela que não exige grandes reflexões, que seja simples e agradável q.b.

 

Ver ainda: Construir a imagem


 

(1) Wilson Gomes; a Política de Imagem. Wilson Gomes é doutorado em Filosofia e professor do Departamento de Comunicação da Universidade Federal da Bahia.
(2) Georges Balandier; O Poder em Cena; Éditions Balland, 1992; Minerva
(3) Omar Gais; Espectaculo Y Ciudadania. La politica en los médios; Facultad de Ciencias Políticas y Sociales Uncuyo; Mendonza
(4) Anthony Pratkanis, Elliot Aronson; La era de la propaganda – uso y abuso de la persuasión;; Oaidós Comunicación; ; Barcelona; 1994
(5). Rejane V. Accioly Carvalho; Imagem Marca e Reeleição: A campanha presidencial de FHC em 1998;

12
Mai13

1. Uma mensagem envolvente

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Vários estudos mostram que as emoções reforçam a eficácia da comunicação persuasiva. No estado de paixão, por mais explicações racionais que se procurem, há sempre uma razão que a razão desconhece.

Na comunicação política passa-se o mesmo. Os responsáveis de marketing político sabem que a persuasão mais eficaz é aquela que é mais agradável e mais envolvente.

Diz Roger Ailes, em “You are the message”, que o elemento mais importante da comunicação é «ser agradável. Dominando este elemento mágico, porque você agrada a uma audiência, perdoam-lhe quase tudo o que fez de mal. Se não lhes agrada, por muito boas que sejam as suas propostas, será irrelevante».

A mensagem com mais eficácia não implica raciocínios elaborados. “Na realidade, as mensagens propagandísticas de tipo racional tiveram e têm muito pouco êxito. Uma aproximação aos sentimentos das audiências, completada ou não por uma mensagem racionalmente elaborada, foi e é o único caminho da propaganda” - Alejandro Quintero (1)

 Para se conseguir este efeito opta-se, preferencialmente, por apelar à crença e às emoções.  
 O destinatário da mensagem não se sente coagido. É o que John Kenneth Galbraith chama “o poder condicionado”: não é visível, consiste na persuasão e na crença, “naquilo que o indivíduo, no contexto social, foi levado a acreditar e que se torne, para ele, intrinsecamente correcto.
 A aceitação social do poder condicionado aumenta tanto mais quanto se caminha do condicionamento explícito para o implícito”. (2)

Se um indivíduo estiver cativado através das emoções, das sensações, do interesse que a mensagem transmite, coloca menos filtros e é mais receptivo. Não só se sente envolvido, como coloca menos resistências à mensagem que lhe é transmitida. Além do mais, cria um laço de “fidelidade”: é mais difícil alterar uma opinião criada por emoções, por uma crença, do que uma opinião racionalizada.

Neste sentido, os políticos – à semelhança da mensagem publicitária - quando pretendem transmitir uma mensagem, tentam evitar a sensação de que estão ali para tentar convencer alguém - a “vender banha da cobra”.

Ao contrário, procuram dar a impressão de que estão ali para uma missão que, em geral, é de «defesa do bem comum».

De certa forma, esta é também a regra da própria comunicação social.
Um jornal, um noticiário, não é elaborado para convencer os receptores da veracidade e da importância das notícias – não está lá escrito: «isto é verdade». Para o jornalista e para o consumidor, a apresentação de determinado acontecimento num formato «informativo» é o suficiente para ser “verdade”. A objectividade não passa de um preconceito.

No entanto, o produto informativo, ele próprio tido como «objectivo», é, cada vez mais, produzido com técnicas para despertar o interesse do receptor e «agarrar» as audiências. Uma das técnicas mais recorrentes é a dramatização, que «nada mais é do que o esforço de tornar uma narrativa mais interessante, comovente, com vida, dando assim importância ao seu teor». (…) Um telejornal é um produto de uma emissora. Para atrair público/consumidor precisa cada vez mais, devido à crescente concorrência, de apresentar conteúdos diferenciadores através de formas diferenciadas. Ou seja, o seu material humano, quanto mais humano for lato sensu, mais personalidade agregará ao produto. Notícia por notícia, os computadores podem fornecer via Internet. Notícia com interpretação e vivacidade faz a diferença.» - Ivonete Pinto (3)

Por outro lado, este tipo de mensagem atinge audiências maiores porque vai ao encontro da preferência da maioria dos telespectadores. «Segundo um estudo sobre as motivações das pessoas quando vêem ou escutam um telejornal, a grande maioria deseja estar bem, passar bem o tempo. Estar informado é apenas um pretexto ou uma razão secundária para sentar-se em frente do televisor.» (4)

No início da década de 80 um responsável da RTP, Cesário Borga, afirmava que os directores de programas encaravam os telejornais com grande preocupação porque provocavam uma quebra de audiência no “prime time”.

Hoje o jornalismo televisivo evoluiu de tal forma que os telejornais são dos programas com maior audiência.

A razão é simples. O próprio modelo da informação adaptou-se a uma linguagem mais próxima do jogo da sedução e das emoções. Nem sempre a notícia de abertura de um telejornal é sobre um facto que tem grandes consequências no dia-a-dia do telespectador. A maior parte das vezes satisfaz apenas a curiosidade mórbida sobre situações muito particulares como um crime, um acidente, uma desavença familiar. Para o editor de um jornal televisivo, um facto não é valorizado pelas consequências que pode ter na sociedade.

O que é importante num acontecimento é que ele possa ter os ingredientes necessários para dar o que na gíria jornalística se chama uma “boa história” – ou seja, apelativa para as audiências. Nas palavras do investigador Thomas Patterson, «as notícias estão a perder a sua identidade e a parecer-se cada vez mais com produtos comerciais». (5). Citando um antigo director da BBC, Mark Levy, «um espaço informativo em televisão não é mais do que um passatempo, como outro qualquer».

De todos os meios de comunicação social, a televisão é a que mais recorre a este discurso envolvente. A principal janela para o mundo, que molda a “realidade” de muitas pessoas, vive das emoções e dos sentimentos – numa reportagem de um minuto nada se pode explicar, tudo se resume a uma impressão. Esta é uma comunicação que não provoca um distanciamento, uma postura activa e crítica de quem recebe a mensagem. Pelo contrário, provoca a passividade do receptor.

Passivo e dependente das imagens que a televisão lhe dá a conhecer, o telespectador acaba por dar maior credibilidade a essas imagens e orientar os seus pensamentos e comportamentos de acordo com a visão do mundo que lhe é transmitida.

Se muitos dos produtos informativos tiveram de recorrer a estas técnicas para se afirmar num meio profundamente competitivo, o mesmo fizeram as organizações políticas. Mais ainda, porque parte significativa da comunicação política é efectuada através dos meios de comunicação social. Saber dominar estas técnicas é um dado fundamental para conseguir fazer passar a mensagem.

Hoje é impensável a actividade política dispensar o recurso aos meios de comunicação social.
A classe política foi obrigada a adaptar-se à linguagem e à organização dos media.
Na verdade, muitos políticos aprenderam esta lição e não fizeram mais do que adaptar a sua comunicação a estes critérios editoriais.
Se a abertura de um telejornal obedece a um critério que selecciona um acontecimento porque tem os ingredientes necessários para cativar as audiências, os políticos começaram a «criar» esses acontecimentos tão do agrado dos jornalistas.

Por vezes, culpam-se os políticos de recorrer a esta estratégia de comunicação. Na verdade, lutam pela sobrevivência, limitam-se a seguir um critério «jornalístico».

Nas sociedades democráticas é o jornalista ou o produtor de um programa que define quem tem acesso ao palco. Fica ainda nas mãos do editor a capacidade de definir os conteúdos, de dar o livre-trânsito a uma mensagem, desde que o convidado respeite determinados requisitos. Ou a classe política aprende a utilizar o discurso que joga com a emoção, o espectáculo, o drama, a sedução, ou então … fica de fora do “quarto” do poder.

É frequente nas reuniões de planeamento de muitos órgãos de comunicação social ser discutido quem vai ser o entrevistado para um determinado programa. Alguns nomes são apresentados e, muitas vezes, são excluídos porque são pessoas «chatas». Ao contrário, quem dá bons títulos, usa frases-chave, provoca polémica…. quase sempre tem a porta aberta. E são, quase sempre, os mesmos.

O impacte deste tipo de comunicação na própria actividade política é a personalização. São retirados do debate os problemas estruturais, o confronto de grupos de pressão ou interesses abstractos. Muita da actividade política é descontextualizada e resume-se a um confronto entre personalidades.

Outro efeito é a permanente necessidade de construção de um discurso assente na dramatização. Devido ao tempo e espaço mediático, as organizações políticas têm de produzir um discurso vivo, com grande impacte nos consumidores dos mass media. Um tema ou uma abordagem, por mais relevante que seja, se não tiver a vivacidade exigida não tem uma existência «real», porque não passa nos meios de comunicação social.

Por último, outra consequência é a fragmentação das mensagens políticas. Porque o tempo mediático é reduzido, nunca há tempo para se contar uma “história”. A mensagem tem de ser parcial, tem de se escolher o fragmento mais adequado, a perspectiva mais útil…


 

(1) Alejandro Quintero
(2) Anatomia do Poder
(3) Ivonete Pinto; A dramatização no telejornalismo; Famecos/Puccrs
(4) Anthony Pratkanis, Elliot Aronson; La era de la propaganda – uso y abuso de la persuasión; Oaidós Comunicación; ; Barcelona; 1994
(5) DN; 22/04/1998